Congregação para o Clero
DIRETÓRIO PARA O MINISTÉRIO E A VIDA DOS PRESBÍTEROS
nova edição
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
I. IDENTIDADE DO PRESBÍTERO
O sacerdócio como dom Raiz sacramental
1.1. Dimensão trinitária.
Em comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Na dinâmica trinitária da salvação Íntima relação com a Trindade
1.2. Dimensão cristológica.
Identidade específica. Consagração e missão
1.3. Dimensão pneumatológica.
Caráter sacramental Comunhão pessoal com o Espírito Santo Invocação do Espírito Força para guiar a comunidade
1.4. Dimensão eclesiológica.
“Na” e “diante da” Igreja. Participante do caráter esponsal de Cristo Universalidade do sacerdócio Missionariedade do sacerdócio para uma Nova Evangelização Paternidade espiritual Autoridade como “amoris officium”. Tentação do democratismo e do igualitarismo Distinção entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial
1.5 Comunhão sacerdotal
Comunhão com a Trindade e com Cristo Comunhão com a Igreja. Comunhão hierárquica. Comunhão na celebração eucarística. Comunhão na atividade ministerial Comunhão no presbitério A incardinação, autêntico vínculo jurídico com valor espiritual Presbitério, lugar de santificação Fraterna amizade sacerdotal Vida comum. Comunhão com os fiéis leigos Comunhão com os membros dos Institutos de vida consagrada. Pastoral vocacional Empenho político e social
II. ESPIRITUALIDADE SACERDOTAL..
2.1. Contexto histórico atual
Saber interpretar os sinais dos tempos A exigência da conversão para a evangelização O desafio das seitas e dos novos cultos Luzes e sombras da atividade ministerial
2.2. Estar com Cristo na oração.
Primado da vida espiritual Meios para a vida espiritual Imitar a Cristo que reza. Imitar a Igreja que reza. Oração como comunhão
2.3. Caridade pastoral
Manifestação da caridade de Cristo Funcionalismo
2.4. A obediência.
Fundamento da obediência. Obediência hierárquica. Autoridade exercida com caridade Respeito às normas litúrgicas Unidade de planos pastorais Importância e obrigatoriedade do hábito eclesiástico
2.5. Pregação da Palavra.
Fidelidade à Palavra. Palavra e vida. Palavra e catequese
2.6. O sacramento da Eucaristia.
O Mistério eucarístico Celebrar bem a Eucaristia. Adoração eucarística. Intenções das Missas
2.7. O Sacramento da Penitência.
Ministro da Reconciliação Dedicação ao ministério da Reconciliação Necessidade de confessar-se Direção espiritual para si e para os outros
2.8. Liturgia das Horas.
2.9. Guia da comunidade.
Sacerdote para a comunidade Sentir com a Igreja.
2.10. O celibato sacerdotal
Firme vontade da Igreja. Motivação teológico-espiritual do celibato Exemplo de Jesus Dificuldades e objeções
2.11. Espírito sacerdotal de pobreza.
Pobreza como disponibilidade
2.12. Devoção a Maria.
Imitar as virtudes da Mãe A Eucaristia e Maria.
III. FORMAÇÃO PERMANENTE
3.1. Princípios.
Necessidade da formação permanente, hoje Instrumento de santificação Deve ser dada pela Igreja. Deve ser permanente Deve ser completa. Formação humana. Formação espiritual Formação intelectual Formação pastoral Deve ser orgânica e completa. Deve ser personalizada.
3.2. Organização e meios.
Encontros sacerdotais Ano Pastoral Tempos de repouso Casa do Clero Retiros e Exercícios Espirituais Necessidade da programação
3.3. Responsáveis.
O próprio presbítero Ajuda dos colegas O Bispo A formação dos formadores Colaboração entre as Igrejas Colaboração de centros acadêmicos e de espiritualidade
3.4. Necessidades no tocante às idades e às situações especiais.
Primeiros anos de sacerdócio Depois de um certo número de anos Idade avançada. Sacerdotes em situações especiais Solidão do sacerdote
CONCLUSÃO..
Oração a Maria Santíssima.
APRESENTAÇÃO
O fenômeno da “secularização” – tendência a viver a vida numa projeção horizontal, colocando de lado ou neutralizando, ainda que se acentue voluntariamente o discurso religioso, a dimensão do transcendente – há diversas décadas vem envolvendo, sem exceção, todos os batizados, em tal medida que aqueles que, por mandato divino, possuem a missão de guiar a Igreja, foram levados a tomarem uma posição decidida. Um destes efeitos, seguramente o mais relevante, é o distanciamento da prática religiosa, com uma rejeição – às vezes consciente, outras vezes induzida por tendências habituais subliminarmente impostas por uma cultura decidida a descristianizar a sociedade civil – seja do depositum fidei, assim como autenticamente ensinado pelo Magistério católico, seja da autoridade e do papel dos ministros sagrados, que Cristo chamou para Si (Mc 3,13-19) a fim de cooperarem em seu plano de salvação e de conduzirem os homens à obediência da fé (Eclo 48,10; Hb 4,1-11; Catecismo da Igreja Católica, n. 144ss.). Daí o particular afã com o qual o Papa Bento XVI, desde os primeiros momentos de seu pontificado, se esmera na re-apresentação da doutrina católica como sistematização orgânica da sabedoria autenticamente revelada por Deus e que em Cristo tem o seu cumprimento, doutrina cujo valor de veridicidade está ao alcance da inteligência de todos os homens (Catecismo da Igreja Católica, n. 27ss.).
Porém, se é verdade que a Igreja existe, vive e se perpetua no tempo por meio da missão evangelizadora (Cf. Concílio Vaticano II, Decreto Ad Gentes), parece claro que, por isso mesmo, o efeito mais prejudicial causado pela difusão da secularização é a crise do ministério sacerdotal, crise que, por um lado, se manifesta numa sensível redução das vocações, e, por outro, na propagação de um espírito de verdadeira e própria perda do sentido sobrenatural da missão sacerdotal, formas de inautenticidade que, nas degenerações mais extremas, em não poucas vezes, deram origem a situações de graves sofrimentos. Por este motivo, a reflexão sobre o futuro do sacerdócio coincide com o futuro da evangelização e, portanto, da própria Igreja. Em 1992, o Beato João Paulo II, com a Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, já tinha colocado amplamente em evidência tudo isso que estamos dizendo, e, sucessivamente, tinha impulsionado a considerar seriamente o problema, mediante uma série de intervenções e iniciativas. Entre estas últimas, indubitavelmente recorda-se de modo todo especial o Ano Sacerdotal 2009-2010, significativamente celebrado em concomitância com o 150º Aniversário da morte de S. João Maria Vianney, patrono dos párocos e dos sacerdotes com cura de almas.
Foram estas as razões fundamentais que, depois de uma longa série de pareceres e consultas, nos viram envolvidos, em 1994, na redação da primeira edição do Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, um instrumento adequado para iluminar e guiar no empenho pela renovação espiritual dos ministros sagrados, apóstolos que necessitam sempre mais de orientação, já que estão imersos em um mundo difícil e continuamente mutável.
A profícua experiência do Ano Sacerdotal (cujo eco está ainda próximo de nós), a promoção de uma «nova evangelização», as ulteriores e preciosas indicações do magistério de Bento XVI, e, infelizmente, as dolorosas feridas que atormentaram a Igreja pela conduta de alguns de seus ministros, nos exortaram a repensar em uma nova edição do Diretório, que pudesse ser mais adaptada ao presente momento histórico, ainda que mantendo substancialmente inalterado o esquema do documento original e também, naturalmente, o ensino perene da teologia e da espiritualidade do sacerdócio católico. Já em sua breve introdução, aparecem claramente as suas intenções: «Parece oportuno relembrar aqueles elementos doutrinais que são fundamentais e estão no centro da identidade, da espiritualidade e da formação permanente dos presbíteros, porque ajudam a aprofundar no significado de ser sacerdote e a crescer em sua exclusiva relação com Cristo Cabeça e Pastor: o que necessariamente beneficiará todo o ser e agir do presbítero». Que este não se torne um trabalho estéril, depende da medida com a qual será concretamente acolhido por seus diretos destinatários. «Este Diretório é um documento de edificação e santificação dos sacerdotes em um mundo, em muitos aspectos, secularizado e indiferente».
Vale a pena considerar alguns temas tradicionais que foram aos poucos obscurecidos ou às vezes rejeitados em benefício de uma visão funcionalista do sacerdote, considerado como “profissional do sagrado”, ou de uma concepção “política”, que lhe confere dignidade somente se for socialmente ativo. Tudo isto mortificou frequentemente a dimensão mais conotativa, que se poderia definir “sacramental” do ministro que, enquanto distribui os tesouros da graça divina, ainda que permanecendo nos limites de uma humanidade ferida pelo pecado, é ele mesmo misteriosa presença de Cristo no mundo.
Antes de tudo, a relação do sacerdote com o Deus Trino. A revelação de Deus como Pai, Filho e Espírito Santo é ligada à manifestação de Deus como o Amor que cria e que salva. Ora, se a redenção é uma espécie de criação e um prolongamento desta (efetivamente é chamada de “nova”), então, o sacerdote, ministro da redenção, sendo, em seu ser, fonte de vida nova, torna-se, por isto mesmo, instrumento da nova criação. Isso já é suficiente para refletir a grandeza do ministro ordenado, independentemente das suas capacidades e dos seus talentos, dos seus limites e das suas misérias. É isso que induzia Francisco de Assis a declarar em seu Testamento : «E a eles e a todos os outros quero temer, amar e honrar como meus senhores. E neles não quero considerar pecado, porque neles escolho o Filho de Deus, e são meus senhores. E assim o faço porque nada vejo corporalmente do próprio altíssimo Filho de Deus, neste mundo, senão o seu santíssimo corpo e o seu santíssimo sangue, que eles recebem e somente eles ministram aos outros». Aquele Corpo e aquele Sangue que regeneram a humanidade.
Outro ponto importante sobre o qual comumente pouco se insiste, mas de que procedem todas as implicações práticas, é aquele da dimensão ontológica da oração, no qual a Liturgia das Horas ocupa uma função especial. Acentua-se muitas vezes como esta seja, no plano litúrgico, um tipo de prolongação do sacrifício eucarístico (Sl 49: «Honra-me quem oferece um sacrifício de louvor»), e, no plano jurídico, um dever imprescindível. Mas, na visão teológica do sacerdócio ordenado como participação ontológica na “capitalidade” de Cristo, a oração do ministro sagrado, não obstante sua condição moral, em todos os efeitos é oração de Cristo, com a mesma dignidade e a mesma eficácia. Ademais, esta, com a autoridade que os Pastores receberam do Filho de Deus de “empenhar” o Céu sobre as questões decididas na terra em benefício da santificação dos fiéis (Mt 18,18), satisfaz plenamente o mandamento do Senhor de orar sem cessar, em todo momento, sem se cansar (Lc 18,1; 21,36). Este é um ponto em que é bom insistir. «Sabemos, porém, que Deus não ouve a pecadores, mas atende a quem lhe presta culto e faz a sua vontade» (Jo 9,31). Ora, além de Cristo em pessoa, quem mais honra o Pai e cumpre perfeitamente a sua vontade? Se, então, o sacerdote age in persona Christi em cada uma de suas atividades de participação na redenção – com as devidas diferenças: no ensino, na santificação, guiando os fiéis à salvação –, nada de sua natureza pecadora pode ofuscar o poder da sua oração. Isto, obviamente, não nos deve induzir a minimizar a importância de uma sã conduta moral do ministro (como, aliás, de cada batizado), cuja medida deve ser a santidade de Deus (Lv 20,8; 1Pt 1,15-16); antes, serve para sublinhar como a salvação vem de Deus e como Ele precisa de sacerdotes para perpetuá-la no tempo, e como não são necessárias complicadas práticas ascéticas ou particulares formas de expressão espiritual, porque todos os homens podem desfrutar, também por meio da oração dos pastores, escolhidos por eles, dos efeitos benéficos do sacrifício de Cristo.
Insiste-se ainda na importância da formação do sacerdote, que deve ser integral, sem privilegiar um aspecto a despeito de outro. A essência da formação cristã, em cada caso, não pode ser entendida como um “adestramento” que toque as faculdades espirituais humanas (inteligência e vontade) nas suas, por assim dizer, manifestações exteriores. Esta é uma transformação do próprio ser do homem, e cada mudança ontológica não pode ser senão operada por Deus, por meio do Espírito, cuja obra, como se recita no Credo, é de «dar a vida». “Formar” significa dar o aspecto de qualquer coisa, ou, em nosso caso, de Alguém: «Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os Seus desígnios. Os que Ele distinguiu de antemão, também os predestinou para serem conformes a imagem de seu Filho» (Rm 8,28-29). A formação específica do sacerdote, logo, já que ele é, como dissemos acima, uma espécie de “co-criador”, requer um abandono todo especial à obra do Espírito Santo, evitando, mesmo na valorização dos próprios talentos, que se caia no perigo do ativismo, da impressão de que a eficácia da própria ação pastoral dependa da notabilidade pessoal. Este ponto, bem considerado, pode certamente infundir confiança naqueles que, num mundo amplamente secularizado e surdo às requisições da fé, facilmente poderiam escorregar no desencorajamento e, deste, na mediocridade pastoral, na tibieza e, por último, no questionamento daquela missão que, no início, tinham acolhido com um entusiasmo tão grande e sincero.
O bom conhecimento das ciências humanas (em particular da filosofia e da bioética), para enfrentar de cabeça erguida os desafios do laicismo; a valorização e o uso dos meios de comunicação de massa, em auxílio à eficácia do anúncio da Palavra; a espiritualidade eucarística como especificidade da espiritualidade sacerdotal (a Eucaristia é o sacramento de Cristo que se faz dom incondicional e total do amor do Pai aos irmãos, e tal deve ser também aquele que é participação de Cristo-dom) e da qual depende o sentido do celibato (por muitas vozes combatido, porque mal compreendido); a relação com a hierarquia eclesiástica e a fraternidade sacerdotal; o amor a Maria, Mãe dos sacerdotes, cujo papel na economia da salvação é de primeiro nível, como elemento, não decorativo ou opcional, mas essencial; esses, e outros temas, são sucessivamente tratados neste Diretório, em um paradigma claro e completo, útil para purificar idéias equívocas ou tortuosas sobre a identidade e a função do ministro de Deus na Igreja e no mundo, e que, sobretudo, pode realmente servir de auxílio a cada presbítero para que se sinta orgulhosamente membro daquele maravilhoso plano do amor de Deus, que é a salvação do gênero humano.
Mauro Card. Piacenza Prefeito
+Celso Morga Iruzubieta Arcebispo tit. de Alba marittima Secretário
INTRODUÇÃO
Bento XVI, em seu discurso aos participantes do Congresso promovido pela Congregação para o Clero, em 12 de março de 2012, recordou que «o tema da identidade presbiteral é determinante para o exercício do sacerdócio ministerial no presente e no futuro». Estas palavras sinalizam uma das questões centrais para a vida da Igreja, como é, de fato, a compreensão do ministério ordenado.
Há alguns anos, partindo da rica experiência da Igreja acerca do ministério e da vida dos presbíteros, condensada em diversos documentos do Magistério e em particular nos conteúdos da Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, este Dicastério apresentou o Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros.
A publicação deste documento respondia ainda a uma exigência fundamental: «a prioritária tarefa pastoral da nova evangelização, que diz respeito a todo o Povo de Deus e postula um novo ardor, novos métodos e uma nova expressão para o anúncio e o testemunho do Evangelho, exige sacerdotes, radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de realizar um novo estilo de vida pastoral». O referido Diretório foi, em 1994, uma resposta a esta exigência e também às requisições feitas por numerosos Bispos, seja durante o Sínodo de 1990, como por ocasião da consulta geral ao Episcopado feita por este Dicastério.
Depois do ano de 1994, o Magistério do Beato João Paulo II foi rico de conteúdos sobre o sacerdócio; um tema que, por sua vez, o Papa Bento XVI aprofundou com os seus numerosos ensinamentos. O Ano Sacerdotal, de 2009-2012, foi um tempo particularmente propício para meditar sobre o ministério sacerdotal e promover uma autêntica renovação espiritual dos sacerdotes.
Enfim, com a transmissão da competência sobre os Seminários da Congregação para a Educação Católica a este Dicastério, Bento XVI quis dar uma indicação clara referente a relaçao inquebrantável entre a identidade sacerdotal e a formação dos chamados ao sagrado ministério.
Por tudo isto, pareceu ser um dever providenciar uma versão atualizada do Diretório, que recolhesse o rico Magistério mais recente.
Como é lógico, a nova redação respeita o esquema do documento original, que foi bem acolhido pela Igreja, especialmente pelos próprios sacerdotes. Ao delinear os diversos conteúdos, levaram-se em conta seja as sugestões de todo o Episcopado mundial, consultado para este fim, seja aquilo que surgiu no curso dos trabalhos da Congregação plenária, que aconteceu no Vaticano em outubro de 1993, seja, enfim, as reflexões de não poucos teólogos, canonistas e especialistas na matéria, provenientes de diversas áreas geográficas e inseridos nas atuais situações pastorais.
Na atualização do Diretório, procurou-se acentuar os aspectos mais relevantes do ensinamento magisterial sobre o sagrado ministério desenvolvido desde 1994 até os nossos dias, fazendo referência a documentos essenciais do Beato João Paulo II e de Bento XVI. Mantiveram-se também as indicações práticas úteis para empreender iniciativas, evitando, todavia, entrar naqueles detalhes que somente as legítimas práxis locais e as condições reais de cada Diocese e Conferência Episcopal poderão utilmente sugerir à prudência e ao zelo dos Pastores.
No atual clima cultural, convém recordar que a identidade do sacerdote como homem de Deus não foi e não sará superada. Parece oportuno relembrar aqueles elementos doutrinais que são fundamentais e estão no centro da identidade, da espiritualidade e da formação permanente dos presbíteros, porque ajudam a aprofundar no significado de ser sacerdote e a crescer em sua exclusiva relação com Cristo Cabeça e Pastor: o que necessariamente beneficiará todo o ser e agir do presbítero.
Enfim, como dizia a Introdução da primeira edição do Diretório, esta versão atualizada não quer oferecer uma exposição exaustiva sobre o sacerdócio ordenado, e também não se limita a uma pura e simples repetição de tudo o que já foi autenticamente declarado pelo Magistério da Igreja; deseja, mais precisamente, responder às principais interrogações, de ordem doutrinal, disciplinar e pastoral, apresentadas aos sacerdotes pelo desafio da nova evangelização, em vista da qual o Papa Bento XVI quis instituir um oportuno Pontifício Conselho.
Deste modo, por exemplo, quis-se por especial ênfase na dimensão cristológica da identidade do presbítero, e também sobre a comunhão, a amizade e a fraternidade sacerdotais, considerados como bens vitais, dada sua incidência na existência do sacerdote. Pode-se dizer o mesmo da espiritualidade presbiteral, enquanto fundada na Palavra e nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Enfim, oferecem-se alguns conselhos para uma adequada formação permanente, entendida como auxílio para aprofundar no significado de ser sacerdote e, assim, viver com alegria e responsabilidade a própria vocação.
Este Diretório é um documento de edificação e santificação dos sacerdotes em um mundo, em muitos aspectos, secularizado e indiferente. O texto é destinado, principalmente, através dos Bispos, a todos os presbíteros da Igreja latina, mesmo que muitos dos seus conteúdos possam servir aos presbíteros da outros ritos. As diretivas contidas aqui dizem respeito, em particular, aos presbíteros do clero secular diocesano, embora muitas destas, com as devidas adaptações, devam ser levadas em consideração também pelos presbíteros membros dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica.
Mas, como já indicado nas primeiras linhas, esta nova edição do Diretório representa também um auxílio para os formadores de Seminário e os candidatos ao ministério ordenado. O Seminário representa o momento e o lugar de crescimento e amadurecimento da consciência do mistério de Cristo e, com esta, a consciência de que, se no nível exterior a autenticidade do nosso amor a Deus se mede pelo amor que temos pelos irmãos (1Jo 4,20-21), no nível interior o amor à Igreja é verdadeiro apenas se é efeito de uma ligação intensa e exclusiva a Cristo. Refletir sobre o sacerdócio equivale, assim, a meditar sobre Aquele pelo qual se dispôs a deixar tudo e seguí-Lo (Mc 10,17-30). Deste modo, o projeto formativo se identifica em sua essência com o conhecimento do Filho de Deus que, através da missão profética, sacerdotal e real, conduz cada homem ao Pai por meio do Espírito: «A uns Ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo, até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo» (Ef 4,11-13).
Que esta Nova edição do Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros possa constituir para cada homem chamado a participar do sacerdócio de Cristo Cabeça e Pastor um auxílio no aprofundamento da própria identidade vocacional e no crescimento da própria vida interior; um encorajamento no ministério e na realização da própria formação permanente, da qual cada um é o primeiro responsável; um ponto de referência para um apostolado rico e autêntico, em benefício da Igreja e do mundo inteiro.
Que Maria Santíssima faça ressoar em nossos corações, dia após dia, e particularmente quando nos preparamos para celebrar o Sacrifício do altar, o seu convite nas bodas de Caná da Galileia: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Confiemo-nos a Maria, Mãe dos sacerdotes, com a oração do Papa Bento XVI:
«Mãe da Igreja, nós, sacerdotes, queremos ser pastores que não se apascentam a si mesmos, mas se oferecem a Deus pelos irmãos, nisto mesmo encontrando a sua felicidade. Queremos, não só por palavras, mas com a própria vida, repetir humildemente, dia após dia, o nosso “eis-me aqui”. Guiados por Vós, queremos ser Apóstolos da Misericórdia Divina, felizes por celebrar cada dia o Santo Sacrifício do Altar e oferecer a quantos no-lo peçam o sacramento da Reconciliação. Advogada e Medianeira da graça, Vós que estais totalmente imersa na única mediação universal de Cristo, solicitai a Deus, para nós, um coração completamente renovado, que ame a Deus com todas as suas forças e sirva a humanidade como o fizestes Vós. Repeti ao Senhor aquela Vossa palavra eficaz: “não têm vinho” (Jo 2, 3), para que o Pai e o Filho derramem sobre nós, como que numa nova efusão, o Espírito Santo».
I. IDENTIDADE DO PRESBÍTERO
Na sua Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, o Beato João Paulo II delineia a identidade do sacerdote: «Os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor, proclamam a Sua palavra com autoridade, repetem os Seus gestos de perdão e oferta de salvação, nomeadamente com o Batismo, a Penitência e a Eucaristia, exercitam a Sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos, pelo rebanho que reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito».
O sacerdócio como dom
1. Toda a Igreja foi tornada participante da unção sacerdotal de Cristo no Espírito Santo. Com efeito, na Igreja, «todos os fiéis formam um sacerdócio santo e real, oferecem vítimas a Deus por meio de Jesus Cristo, e anunciam as virtudes d’Aquele que os chamou das trevas para a sua luz admirável» (cf. 1Pd 2,5.9). Em Cristo, todo o seu Corpo místico está unido ao Pai pelo Espírito Santo, para a salvação de todos os homens.
Porém, a Igreja sozinha não pode levar para diante tal missão: toda a sua atividade tem intrinsecamente necessidade da comunhão com Cristo, cabeça do seu Corpo. Indissoluvelmente unida ao seu Senhor, ela recebe constantemente d’Ele mesmo o influxo de graça e de verdade, de guia e de sustento (cf. Cl 2,19), para poder ser para todos e para cada um «o sinal e o instrumento da íntima união do homem com Deus e da unidade de todo o gênero humano».
O sacerdócio ministerial encontra a sua razão de ser nesta união vital e operacional da Igreja com Cristo. Com efeito, mediante tal ministério, o Senhor continua a exercer no seu Povo aquela atividade que só a Ele pertence enquanto Cabeça do seu Corpo. Portanto, o sacerdócio ministerial torna tangível a ação própria de Cristo Cabeça, e testemunha que Cristo não se afastou da sua Igreja, mas continua a vivificá-la com o seu sacerdócio perene. Por este motivo, a Igreja considera o sacerdócio ministerial como um dom que Lhe foi concedido no ministério de alguns dos seus fiéis.
Tal dom instituído por Cristo para continuar a sua missão salvífica, foi conferido inicialmente aos Apóstolos e continua na Igreja, por meio dos Bispos, seus sucessores, que, por sua vez, o transmitem em grau subordinado aos presbíteros, enquanto cooperadores da ordem episcopal; essa é a razão pela qual a identidade destes últimos, na Igreja, deriva da sua confirmação com a missão da Igreja. Tal incumbência, para o sacerdote, se realiza, por sua vez, na comunhão com o próprio Bispo, já que «a vocação do sacerdote é excelsa e permanece um grande Mistério também para quantos a receberam como dom. Os nossos limites e as nossas debilidades devem induzir-nos a viver e a conservar com fé profunda esta dádiva preciosa, com a qual Cristo nos configurou Consigo, tornando-nos partícipes da Sua Missão salvífica».
Raiz sacramental
2. Mediante a ordenação sacramental, por meio da imposição das mãos e da oração consecratória feita pelo do Bispo, estabelece-se no presbítero «um vínculo ontológico específico que o une a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor».
A identidade do sacerdote deriva, portanto, da participação específica no Sacerdócio de Cristo, pelo qual o ordenado se torna, na Igreja e para a Igreja, imagem real, viva e transparente de Cristo Sacerdote, «uma representação sacramental de Cristo Cabeça e Pastor ». Por meio da consagração, o sacerdote «recebe como dom um “poder” espiritual que é participação na autoridade com a qual Jesus Cristo, mediante o Seu Espírito, guia a Igreja».
Esta identificação sacramental com o Sumo e Eterno Sacerdote insere especificamente o presbítero no mistério trinitário e, por intermédio do mistério de Cristo, na Comunhão ministerial da Igreja, para servir o Povo de Deus, não como um encarregado de questões religiosas, mas como Cristo, que veio «não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por uma multidão» (Mt 20,28). Deste modo, não é de se admirar que «o princípio interior, a virtude que orienta e anima a vida espiritual do presbítero, enquanto configurado a Cristo Cabeça e Pastor» seja «a caridade pastoral, participação da própria caridade pastoral de Cristo Jesus: dom gratuito do Espírito Santo, e ao mesmo tempo tarefa e apelo a uma resposta livre e responsável do sacerdote».
Ao mesmo tempo, não se deve esquecer de que cada sacerdote é único como pessoa, e possui os próprios modos de ser. Cada um é único e insubstituível. Deus não anula a personalidade do sacerdote, antes, a requer completamente, desejando servir-se dela – a graça, de fato, edifica a natureza – a fim de que o sacerdote possa transmitir as verdades mais profundas e preciosas mediante as suas características, que Deus respeita e também os outros devem respeitar.
1.1. Dimensão trinitária
Em comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito
3. O cristão, mediante o Batismo, entra na comunhão com o Deus Uno e Trino, que lhe comunica a própria vida divina para fazê-lo tornar-se filho adotivo no Seu único Filho; por isso, é chamado a reconhecer Deus como Pai e, pela da filiação divina, a experimentar a providência paterna que nunca abandona os seus filhos. Se isto é verdade para todo cristão, é igualmente verdade que, pela força da consagração recebida no sacramento da Ordem, o sacerdote é colocado numa relação particular e específica com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo. Com efeito, «a nossa identidade tem a sua fonte última na caridade do Pai. Ao Filho, por Ele enviado como Sumo Sacerdote e Bom Pastor, estamos unidos sacramentalmente mediante o sacerdócio ministerial pela ação do Espírito Santo. A vida e o ministério do sacerdote são uma continuação da vida e ação do próprio Cristo. Esta é a nossa identidade, a nossa verdadeira dignidade, a fonte da nossa alegria, a certeza da nossa vida».
A identidade, o ministério e a existência do presbítero estão, portanto, essencialmente relacionados com a Santíssima Trindade, em ordem ao serviço sacerdotal à Igreja e a todos os homens.
Na dinâmica trinitária da salvação
4. O sacerdote, «como prolongamento visível e sinal sacramental de Cristo na sua própria presença diante da Igreja e do mundo como origem permanente e sempre nova da salvação», está inserido na dinâmica trinitária com uma responsabilidade especial. A sua identidade provém do ministerium verbi et sacramentorum, o qual está em relação essencial com o mistério do amor salvífico do Pai (cf. Jo 17,6-9; 1Cor 1,1; 2Cor 1,1), com o ser sacerdotal de Cristo, que escolhe e chama pessoalmente o seu ministro para estar com Ele (cf. Mc 3,15) e com o dom do Espírito (cf. Jo 20,21), que comunica ao sacerdote a força necessária para dar a vida a uma multidão de filhos de Deus, convocados para o único corpo eclesial e encaminhados para o Reino do Pai.
Íntima relação com a Trindade
5. A partir daqui se compreende a característica essencialmente relacional (cf. Jo 17,11.21) da identidade do sacerdote.
A graça e o caráter indelével, conferidos mediante a unção sacramental do Espírito Santo, colocam, assim, o sacerdote em relação pessoal com a Trindade, uma vez que ela constitui a fonte do ser e do agir sacerdotal.
O Decreto conciliar Presbyterorum Ordinis, desde o seu exórdio, sublinha a relação fundamental entre o sacerdote e a Santíssima Trindade, mencionando distintamente as três Pessoas divinas: «O ministério dos sacerdotes, enquanto unido à Ordem episcopal, participa da autoridade com que o próprio Cristo edifica, santifica e governa o seu corpo. Por isso, o sacerdócio dos presbíteros, supondo, é certo, os sacramentos da iniciação cristã, é, todavia, conferido mediante um sacramento especial, em virtude do qual os presbíteros ficam assinalados com um caráter particular e, dessa maneira, configurados a Cristo sacerdote, de tal modo que possam agir em nome de Cristo cabeça. Por isso, o fim que os presbíteros pretendem atingir com o seu ministério e com a sua vida é a glória de Deus Pai em Cristo».
Portanto, tal relação deve ser necessariamente vivida pelo sacerdote duma maneira íntima e pessoal, em diálogo de adoração e de amor com as Três Pessoas divinas, consciente de que o dom recebido lhe foi dado para o serviço de todos.
1.2. Dimensão cristológica
Identidade específica
6. A dimensão cristológica, como a trinitária, deriva diretamente do sacramento que configura ontologicamente a Cristo Sacerdote, Mestre, Santificador e Pastor do seu Povo. Os presbíteros, além disso, participam do único sacerdócio de Cristo como colaboradores dos Bispos: esta determinação é propriamente sacramental e, por isso, não pode ser entendida numa perspectiva meramente “organizativa”.
Aos fiéis que, permanecendo enxertados no sacerdócio comum ou batismal, são constituídos no sacerdócio ministerial, é dada uma participação indelével no mesmo e único sacerdócio de Cristo na dimensão pública da mediação e da autoridade, em relação à santificação, ao ensino e à condução de todo o Povo de Deus. Assim, se, por um lado, o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico estão necessariamente ordenados um ao outro, dado que um e outro, cada um a seu modo, participam do único sacerdócio de Cristo, por outro lado, eles diferem entre si essencialmente, e não apenas em grau.
Neste sentido, a identidade do sacerdote é nova em relação à de todos os cristãos que, mediante o Batismo, já participam no único sacerdócio de Cristo e são chamados a dar testemunho d’Ele em toda a terra. A especificidade do sacerdócio ministerial, entretanto, se define não a partir de uma suposta “superioridade” relativamente ao sacerdócio comum, e sim pelo serviço que é chamado a prestar em favor de todos os fiéis, para que estes possam aderir à mediação e ao poder de Cristo, que se tornam visíveis pelo exercício do sacerdócio ministerial.
Nesta sua peculiar identidade cristológica, o sacerdote deve ter consciência de que a sua vida é um mistério inserido totalmente no mistério de Cristo e da Igreja dum modo novo e específico, e que isto o empenha totalmente no ministério pastoral e dá sentido à sua vida. Esta consciência da sua identidade é de especial importância no contexto cultural secularizado, em que «o sacerdote parece “alheio” ao sentimento coral, precisamente pelos aspectos mais fundamentais do seu ministério, como aqueles de ser homem do sagrado, subtraído ao mundo para interceder a favor do mundo, constituído em tal missão por Deus e não pelos homens (cf. Hb 5, 1)».
7. Tal consciência – fundada sobre o ligame ontológico com Cristo – se afasta de concepções “funcionalistas”, que pretenderam ver o sacerdote apenas como agente social ou dispensador de ritos sagrados, «correndo o risco de atraiçoar o próprio Sacerdócio de Cristo» e reduzindo a vida do sacerdote a um mero cumprimento do dever. Todos os homens têm um natural anseio religioso, que lhes distingue dos outros seres vivos e que lhes faz procurar a Deus. Por isso, aquilo que as pessoas buscam no sacerdote é o homem de Deus, junto do qual possam descobrir a Sua Palavra, a Sua Misericórdia e o Pão do céu, «que dá vida ao mundo» (Jo 6,33): «Deus é a única riqueza que, de modo definitivo, os homens desejam encontrar num sacerdote».
Sendo cônscio da sua identidade, o sacerdote, diante da exploração, da miséria ou da opressão, da mentalidade secularizada ou relativista, que põe em dúvida as verdades fundamentais da nossa fé, ou de tantas outras situações da cultura pós-moderna, encontrará ocasião para exercitar o seu ministério específico de pastor, chamado a anunciar ao mundo o Evangelho. O presbítero é «escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus» (Hb 5,1). Diante das almas, ele anuncia o mistério de Cristo, a cuja luz apenas pode ser compreendido plenamente o mistério do homem.
Consagração e missão
8. Cristo associa os Apóstolos à sua própria missão. «Como o Pai me enviou, assim eu vos envio a vós» (Jo 20, 21). Na própria sagrada Ordenação está ontologicamente presente a dimensão missionária. O sacerdote é escolhido, consagrado e enviado para atualizar eficazmente esta missão eterna de Cristo, de quem se torna autêntico representante e mensageiro. Não se trata de uma simples função de representação extrínseca, mas constitui um verdadeiro instrumento de transmissão da graça da Redenção: «Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza Aquele que me enviou» (Lc 10, 16).
Pode-se, portanto, dizer que a configuração a Cristo, mediante a consagração sacramental, define o sacerdote no seio do Povo de Deus, fazendo-o participar a seu modo no poder santificador, de magistério e pastoral do próprio Jesus Cristo, Cabeça e Pastor da Igreja. O sacerdote, tornando-se mais parecido com Cristo, torna-se – graças a Ele, não a si mesmo – colaborador da salvação dos irmãos: não é mais ele que vive e existe, mas Cristo nele (cf. Gl 2,20).
Agindo in persona Christi Capitis, o sacerdote torna-se o ministro das ações salvíficas essenciais, transmite as verdades necessárias à salvação e apascenta o Povo de Deus, conduzindo-o rumo à santidade.
Mas a conformação do sacerdote a Cristo não passa somente pela atividade evangelizadora, sacramental e pastoral. Verifica-se também na oblação de si mesmo e na expiação, ou seja, aceitando com amor os sofrimentos e os sacrifícios próprios do ministério sacerdotal. O Apóstolo são Paulo expressou esta dimensão qualificante do ministério com a célebre expressão: «Me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja» (Cl 1,24).
1.3. Dimensão pneumatológica
Caráter sacramental
9. Na ordenação presbiteral, o sacerdote recebeu o selo do Espírito Santo, que fez dele um homem assinalado com o caráter sacramental a fim de ser, para sempre, ministro de Cristo e da Igreja. Seguro da promessa de que o Consolador permanecerá com ele para sempre (cf. Jo 14,16-17), o sacerdote sabe que nunca perderá a presença e o poder eficaz do Espírito Santo, para poder exercer o seu ministério e viver a caridade pastoral – fonte, critério e medida do amor e do serviço – como dom total de si para a salvação dos seus irmãos. Esta caridade determina no presbítero o seu próprio modo de pensar, de agir e de comportar-se com os outros.
Comunhão pessoal com o Espírito Santo
10. É ainda o Espírito Santo que, na Ordenação, confere ao sacerdote a missão profética de anunciar e explicar, com autoridade, a Palavra de Deus. Inserido na comunhão da Igreja com toda a ordem sacerdotal, o presbítero será guiado pelo Espírito de Verdade, que o Pai enviou por meio de Cristo, e que lhe ensina todas as coisas, recordando tudo o que Jesus disse aos Apóstolos. Portanto, o presbítero, com a ajuda do Espírito Santo e o estudo da Palavra de Deus nas Escrituras, à luz da Tradição e do Magistério, descobre a riqueza da Palavra que deve anunciar à comunidade eclesial que lhe foi confiada.
Invocação do Espírito
11. O sacerdote é ungido pelo Espírito Santo. Isto comporta não apenas o dom do sinal indelével conferido pela unção, mas também a necessidade de invocar constantemente o Paráclito – dom do Cristo ressuscitado – sem o qual o ministério do presbítero seria estéril. O sacerdote pede diariamente a luz do Espírito Santo para imitar a Cristo.
Mediante o caráter sacramental e identificando a sua intenção com a da Igreja, o sacerdote está sempre em comunhão com o Espírito Santo na celebração da liturgia, sobretudo na Eucaristia e nos outros sacramentos. É o próprio Cristo que age em favor da Igreja, por meio do Espírito Santo invocado na Sua potência eficaz pelo sacerdote, celebrante in persona Christi.
Portanto, a celebração sacramental recebe a sua eficácia da palavra de Cristo, que a instituiu, e da potência do Espírito, que a Igreja frequentemente invoca mediante a epiclese.
Isto é particularmente evidente na Oração eucarística, na qual o sacerdote, invocando a potência do Espírito Santo sobre o pão e sobre o vinho, pronuncia as palavras de Jesus para que aconteça a transubstanciação do pão no corpo “dado” e do vinho no sangue “derramado” de Cristo, e se torne sacramentalmente presente o seu único sacrifício redentor.
Força para guiar a comunidade
12. É, enfim, na comunhão do Espírito Santo que o sacerdote encontra a força para guiar a comunidade que lhe foi confiada e para mantê-la na unidade querida pelo Senhor. A oração do sacerdote no Espírito Santo pode ser modelada pela oração sacerdotal de Jesus Cristo (cf. Jo 17). Ele deve rezar, portanto, pela unidade dos fiéis, para que sejam uma coisa só, a fim de que o mundo creia que o Pai enviou o Filho para a salvação de todos.
1.4. Dimensão eclesiológica
“Na” e “diante da” Igreja
13. Cristo, origem permanente e sempre nova da salvação, é o mistério fontal de que deriva o mistério da Igreja, seu Corpo e sua Esposa, chamada pelo seu Esposo a ser instrumento de redenção. Por meio da missão confiada aos Apóstolos e aos seus Sucessores, Cristo continua a dar a vida à sua Igreja. É nessa que o ministério dos presbíteros encontra o seu locus natural e cumpre a sua missão.
Por meio do mistério de Cristo, o sacerdote, exercendo o seu múltiplo ministério, é inserido também no mistério da Igreja que, «na fé, toma consciência de não existir por si mesma, mas pela graça de Cristo, no Espírito Santo». Deste modo, o sacerdote, enquanto é inserido na Igreja, coloca-se também à frente dela.
A expressão eminente desta colocação do sacerdote na e diante da Igreja é a celebração da Eucaristia, na qual ele «convida o povo a elevar os corações para o Senhor, na oração e na ação de graças, e associa-o a si na oração que ele, em nome de toda a comunidade, dirige a Deus Pai por Jesus Cristo no Espírito Santo».
Participante do caráter esponsal de Cristo
14. O sacramento da Ordem, efetivamente, torna o sacerdote participante não só do mistério de Cristo Sacerdote, Mestre, Cabeça e Pastor, mas, de alguma maneira, também de Cristo «Servo e Esposo da Igreja». Esta é o «Corpo» dEle, que a amou e a ama a ponto de dar a vida por ela (cf. Ef 5,25); regenera-a e purifica-a continuamente por meio da palavra de Deus e dos sacramentos (cf. ibid. 5,26); esforça-se por torná-la cada vez mais bela (cf. ibid. 5,27) e, enfim, a sustenta e a trata com solicitude (cf. ibid. 5,29).
Os presbíteros, que – colaboradores da Ordem Episcopal – constituem com o seu Bispo um único Presbitério e participam, em grau subordinado, do único sacerdócio de Cristo, de certo modo, participam, também, à semelhança do Bispo, daquela dimensão esponsal em relação à Igreja, que é bem simbolizada no rito da ordenação episcopal com a entrega do anel.
Os presbíteros, que «em cada uma das comunidades locais de fiéis tornam, por assim dizer, presente o Bispo, a que estão unidos mediante um confiante e generoso espírito», deverão ser fiéis à Esposa e, como ícones viventes do Cristo Esposo, tornar operante a multiforme doação de Cristo à sua Igreja. Chamado por um ato de amor sobrenatural, absolutamente gratuito, o sacerdote deve amar a Igreja como Cristo a amou, consagrando a ela todas as suas energias e dando-se com caridade pastoral até dar quotidianamente a sua própria vida.
Universalidade do sacerdócio
15. O mandamento do Senhor de ir a todos os povos (cf. Mt 28,18-20) constitui uma outra modalidade deste estar do sacerdote «à frente» da Igreja. Enviado – missus – pelo Pai, por meio de Cristo, o sacerdote pertence «in modo immediato» à Igreja universal, que tem a missão de anunciar a Boa Nova até «aos confins da terra» (At 1, 8).
«O dom espiritual, recebido pelos sacerdotes na ordenação, prepara-os para uma vastíssima e universal missão de salvação». Com efeito, pela Ordem e ministério recebido, todos os sacerdotes são associados ao Corpo Episcopal e, em comunhão hierárquica com ele, segundo a sua vocação e graça, servem ao bem de toda a Igreja. Portanto, a incardinação não deve fechar o sacerdote numa mentalidade restrita e particularista, mas abri-lo ao serviço de outras Igrejas, porque toda a Igreja é a realização particular da única Igreja de Jesus Cristo.
Neste sentido, cada sacerdote deve receber uma formação que lhe permita servir a Igreja universal e não apenas especializar-se num único lugar ou numa tarefa específica. Esta “formação para a Igreja universal” significa estar pronto a enfrentar as mais diversas circunstâncias, com a constante disponibilidade de servir, sem condições, a Igreja inteira.
Missionariedade do sacerdócio para uma Nova Evangelização
16. O presbítero, participante da consagração de Cristo, é envolvido na sua missão salvífica de acordo com o seu último mandamento: «Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi» (Mt 28,19-20; cf. Mc 16,15-18; Lc 24,47-48; At 1,8). A tensão missionária é parte constitutiva da existência do sacerdote – que é chamado a se fazer “pão partido para a vida do mundo” –, porque «a missão primeira e fundamental, que deriva dos santos mistérios celebrados, é dar testemunho com a nossa vida. O enlevo pelo dom que Deus nos concedeu em Cristo, imprime à nossa existência um dinamismo novo que nos compromete a ser testemunhas do seu amor. Tornamo-nos testemunhas quando, através das nossas ações, palavras e modo de ser, é Outro que aparece e Se comunica».
«Os presbíteros, por força do sacramento da Ordem, são chamados a partilhar a solicitude pela missão: “o dom espiritual que os presbíteros receberam na Ordenação prepara-os, não para uma missão limitada e restrita, mas para uma vastíssima e universal missão de salvação ” (Presbyterorum Ordinis, 10). Todos os sacerdotes devem ter um coração e uma mentalidade missionária, estarem abertos às necessidades da Igreja e do mundo». Esta exigência da vida da Igreja no mundo contemporâneo deve ser sentida e vivida por cada presbítero. Por isso, cada sacerdote é chamado a ter espírito missionário, isto é, um espírito verdadeiramente “católico” que, partindo de Cristo, se dirige a todos, a fim de que «todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1Tm 2,4).
Por isso, é importante que ele tenha plena consciência desta realidade missionária do seu sacerdócio e a viva em total sintonia com a Igreja, que sente a necessidade de enviar os seus ministros para os lugares onde é mais urgente a sua missão, especialmente junto aos mais pobres. Daí derivará também uma mais justa distribuição do clero. A propósito, devemos reconhecer o quanto estes sacerdotes que se disponibilizam a servir noutras dioceses ou países são um grande dom, tanto para a Igreja particular para a qual são enviados quanto para aquela que os envia.
17. «Todavia, hoje verifica-se uma crescente confusão que induz muitos a deixarem inaudível e inoperante o mandato missionário do Senhor (cf. Mt 28,19). Muitas vezes, pensa-se que toda a tentativa de convencer os outros em questões religiosas seja um limite posto à liberdade. Seria lícito somente expor as próprias idéias e convidar as pessoas a agir segundo a consciência, sem favorecer uma conversão a Cristo e à fé católica. Diz-se que basta ajudar os homens a serem mais homens ou mais fiéis à própria religião, que basta construir comunidades capazes de trabalhar pela justiça, pela liberdade, pela paz e pela solidariedade. Além disso, alguns defendem que não se deveria anunciar Cristo a quem não O conhece, nem favorecer a adesão à Igreja, pois seria possível ser salvos mesmo sem um conhecimento explícito de Cristo e sem uma incorporação formal à Igreja».
O Servo de Deus Paulo VI também se dirigiu aos sacerdotes ao afirmar: «não deixaria de ter a sua utilidade que cada cristão e cada evangelizador aprofundasse na oração este pensamento: os homens poderão salvar-se por outras vias, graças à misericórdia de Deus, se nós não lhes anunciarmos o Evangelho; mas nós, poder-nos-emos salvar se, por negligência, por medo ou por vergonha – aquilo que São Paulo chamava exatamente “envergonhar-se do Evangelho” (cf. Rm 1,16) – ou por se seguirem ideias falsas, nos omitirmos de o anunciar? Isso seria, com efeito, trair o apelo de Deus que, pela voz dos ministros do Evangelho, quer fazer germinar a semente; e dependerá de nós que essa semente venha a tornar-se uma árvore e a produzir todo o seu fruto». Por isso, mais do que nunca, o clero deve sentir-se apostolicamente empenhado em unir todos os homens a Cristo, na sua Igreja. «Todos os homens são chamados a esta unidade católica do Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal».
Portanto, não são admissíveis todas aquelas opiniões que, em nome dum malentendido respeito às culturas particulares, tendem a desnaturar a ação missionária da Igreja, chamada a cumprir o mesmo ministério universal de salvação, que transcende e deve vivificar todas as culturas. A dilatação universal é intrínseca ao ministério sacerdotal e, por conseguinte, irrenunciável.
18. Desde os inícios da Igreja, os apóstolos obedeceram o último mandamento do Senhor ressuscitado. Sobre as suas pegadas, a Igreja através dos séculos «evangeliza sempre e jamais interrompeu o caminho da evangelização».
«A evangelização, no entanto, realiza-se de um modo diferente, segundo as diversas situações em que acontece. Num sentido próprio é a “missio ad gentes” dirigida àqueles que não conhecem Cristo. Num sentido mais lato, fala-se de “evangelização”, relativo ao aspecto ordinário da pastoral». A evangelização é a ação da Igreja que proclama a Boa Notícia em vista da conversão, do convite à fé, do encontro pessoal com Jesus, do tornar-se seu discípulo na Igreja, do empenhar-se em pensar como Ele, julgar como Ele e viver como Ele viveu. A evangelização começa com o anúncio do Evangelho e encontra o seu último cumprimento na santidade do discípulo que, como membro da Igreja, tornou-se evangelizador. Neste sentido, a evangelização é a ação global da Igreja, «a tarefa central e unificadora do serviço que a Igreja, e nela os fiéis leigos, são chamados a prestar à família dos homens».
«O processo evangelizador, consequentemente, é estruturado em etapas ou “momentos essenciais”: a ação missionária para os não crentes e para aqueles que vivem na indiferença religiosa; a ação catequética e de iniciação para aqueles que optam pelo Evangelho e para aqueles que necessitam completar ou reestruturar a sua iniciação; e a ação pastoral para os fiéis cristãos já maduros, no seio da comunidade cristã. Esses momentos, no entanto, não são etapas concluídas: reiteram-se, se necessário, uma vez que darão o alimento evangélico mais adequado ao crescimento espiritual de cada pessoa ou da própria comunidade».
19. «Contudo, observamos um processo progressivo e preocupante de descristianização e de perda dos valores humanos essenciais. Uma boa parte da humanidade de hoje não encontra na evangelização permanente da Igreja o Evangelho, ou seja, uma resposta convincente à pergunta: como viver? Todos têm necessidade do Evangelho; o Evangelho destina-se a todos e não apenas a um círculo determinado, e portanto somos obrigados a procurar novos caminhos para levar o Evangelho a todos». Mesmo que preocupante, esta descristianização não pode nos levar a duvidar da capacidade que o Evangelho tem de tocar o coração dos nossos contemporâneos: «Alguém talvez se pergunte se o homem e a mulher da cultura pós-moderna, das sociedades mais avançadas, ainda saberão abrir-se ao querigma cristão. A resposta deve ser positiva. O querigma pode ser compreendido e acolhido por qualquer ser humano, em qualquer tempo ou cultura. Mesmo os ambientes mais intelectuais ou mais simples podem ser evangelizados. Devemos, até, crer que também os chamados pós-cristãos possam, de novo, ser tocados pela pessoa de Jesus Cristo».
O Papa Paulo VI já afirmara que «as condições da sociedade obrigam-nos a todos a rever os métodos, a procurar, por todos os meios ao alcance, e a estudar o modo de fazer chegar ao homem moderno a mensagem cristã, na qual somente ele poderá encontrar a resposta às suas interrogações e a força para a sua aplicação de solidariedade humana». O Beato João Paulo II apresentou o novo milênio deste modo: «Hoje tem-se de enfrentar com coragem uma situação que se vai tornando cada vez mais variada e difícil com a progressiva mistura de povos e culturas que caracteriza o novo contexto da globalização». Assim, iniciou-se uma “nova evangelização”, que não é porém uma “reevangelização”, pois o anúncio é «sempre o mesmo. A cruz está erguida sobre o mundo que gira». É nova, enquanto «procuramos, além da evangelização permanente, jamais interrompida e que nunca se deve deter, uma nova evangelização, capaz de se fazer ouvir por aquele mundo que não encontra o acesso à evangelização “clássica”».
20. A nova evangelização faz referência, sobretudo mas não exclusivamente, “às Igrejas de antiga fundação”, onde estiveram aqueles que, «batizados embora na Igreja católica, abandonaram os sacramentos ou até mesmo a fé». Os sacerdotes têm «o dever de anunciar a todos o Evangelho de Deus, realizando o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a todas as criaturas” (Mc 16,15)». São «ministros de Jesus Cristo no meio dos povos», «devedores de todos, para comunicarem a todos a verdade do Evangelho, de que gozam no Senhor», tanto mais quanto «o número daqueles que ignoram Cristo, e não fazem parte da Igreja está em contínuo aumento; mais ainda: quase duplicou, desde o final do Concílio. A favor desta imensa humanidade, amada pelo Pai a ponto de lhe enviar o Seu Filho, é evidente a urgência da missão». O Beato João Paulo II afirmava solenemente: «Sinto chegado o momento de empenhar todas as forças eclesiais na nova evangelização e na missão ad gentes. Nenhum crente, nenhuma instituição da Igreja se pode esquivar deste dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos».
21. Os sacerdotes devem empenhar todas as suas forças nesta nova evangelização, cujas características foram definidas pelo Beato João Paulo II: «nova em seu ardor, em seus métodos e em sua expressão».
Em primeiro lugar, «é preciso reacender em nós o zelo das origens, deixando-nos invadir pelo ardor da pregação apostólica que se seguiu ao Pentecostes. Devemos reviver em nós o sentimento ardente de Paulo que o levava a exclamar: “Ai de mim se não evangelizar!” (1Cor 9,16)». De fato, «quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-Lo para si; tem de O anunciar». A exemplo dos Apóstolos, o zelo apostólico é fruto da experiência surpreendente que nasce da proximidade de Jesus. «A missão é um problema de fé, é a medida exata da nossa fé em Cristo e no Seu amor por nós». O Senhor não cessa de enviar o seu Espírito, de cuja força devemos nos deixar regenerar em vista daquele «renovado impulso missionário, expressão de uma nova e generosa abertura ao dom da graça». «É essencial e indispensável que o presbítero se decida, com viva consciência e determinação, não apenas a acolher e evangelizar aqueles que o procuram, tanto na paróquia como em outros lugares, mas a “levantar- se e ir” em busca, primeiro, dos batizados que por motivos diversos não vivem sua pertença à comunidade eclesial, e também daqueles que pouco ou nada conhecem a Jesus Cristo».
Os sacerdotes se recordem que não podem empenhar-se sozinhos na missão. Como pastores do seu povo, formem as comunidades cristãs para o testemunho evangélico e o anúncio da Boa Nova. A «nova missionariedade não poderá ser delegada a um grupo de “especialistas”, mas deverá corresponsabilizar todos os membros do povo de Deus. É preciso um novo ímpeto apostólico, vivido como compromisso diário das comunidades e grupos cristãos». A paróquia não é apenas um lugar para se fazer a catequese, mas é também um ambiente vivo no qual deve acontecer a nova evangelização, «concebendo-se numa “missão permanente”» . Cada comunidade é imagem da própria Igreja, «chamada, por sua natureza, a sair de si mesma dirigindo-se ao mundo, para ser sinal do Emanuel, do Verbo que se fez carne, do Deus-conosco». «Na paróquia, os presbíteros precisarão de convocar os membros da comunidade, consagrados e leigos, para prepará-los adequadamente e enviá-los em missão evangelizadora a cada pessoa, a cada família, até mesmo mediante visitas domiciliares, e a todos os ambientes sociais nos próprios territórios». Recordando-se que a Igreja é «mistério de comunhão e missão», os pastores levarão as comunidades a serem testemunhas com a sua «fé professada, celebrada, vivida e rezada» e com o seu entusiasmo. O Papa Paulo VI exortava à alegria: «E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, e a alegria de Cristo que receberam por primeiro». Os fiéis precisam ser encorajados por seus pastores, a fim de que não tenham mêdo de anunciar a fé com franqueza, tanto mais quanto quem evangeliza experimenta que o próprio ato missionário é fonte de renovação pessoal: «De fato, a missão renova a Igreja, revigora a sua fé e identidade, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se fortalece!».
22. A evangelização é também nova em seus métodos. Estimulado pelo Apóstolo, que exclamava: «Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!» (1Cor 9,16), ele saberá utilizar todos aqueles meios de transmissão que as ciências e a tecnologia moderna oferecem.
Certamente, nem tudo depende de tais meios ou das capacidades humanas, pois a graça divina pode alcançar o seu efeito independentemente da ação dos homens; mas, no plano de Deus, a pregação da Palavra é, normalmente, o canal privilegiado para a transmissão da fé e para a missão evangelizadora.
Saberá também envolver os leigos na evangelização através daqueles meios modernos. Em todo caso, a sua participação nestes novos âmbitos deverá refletir sempre especial caridade, sentido sobrenatural, sobriedade e temperança, de modo que todos se sintam atraídos não tanto pela figura do sacerdote, mas sim pela Pessoa de Jesus Cristo Nosso Senhor.
23. A terceira característica da nova evangelização é a novidade na sua expressão. Em um mundo que muda, a consciência da própria missão de anunciador do Evangelho, como instrumento de Cristo e do Espírito Santo, deverá concretizar-se pastoralmente sempre mais, de modo que o sacerdote possa vivificar, à luz da Palavra de Deus, as diversas situações e os diversos ambientes nos quais desenvolve o seu ministério.
Para ser eficaz e credível, é importante que o presbítero – na perspectiva da fé e do seu ministério – conheça, com construtivo senso crítico, as ideologias, a linguagem, os meandros culturais, as tipologias difundidas através dos meios de comunicação que, em boa parte, condicionam a mentalidade. Saberá dirigir-se a todos «sem nunca esconder as exigências mais radicais da mensagem evangélica, mas adaptando-a, em termos de sensibilidade e linguagem, à situação de cada um, segundo o exemplo de Paulo que afirmava: “Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a todo o custo” (1Cor 9,22)». O Concílio Ecumênico Vaticano II afirmou que a Igreja «aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização». No respeito devido ao caminho sempre diversificado de cada pessoa e na atenção pelas diversas culturas, nas quais a mensagem cristã deve ser recebida, permanecendo plenamente íntegra, na total fidelidade ao anúncio evangélico e à tradição eclesial, o cristianismo do terceiro milênio levará o rosto de tantas culturas, antigas e modernas, cujos específicos valores não são renegados, mas purificados e levados à sua plenitude.
Paternidade espiritual
24. A vocação pastoral dos sacerdotes é grande e universal: destina-se a toda a Igreja e, portanto, é também missionária. «Normalmente, está ligada ao serviço de determinada comunidade do Povo de Deus, onde cada fiel espera encontrar atenção, dedicação e amor». Por isso, o ministério do sacerdócio e também ministério de paternidade. Através da sua dedicação às almas, tantas são geradas à nova vida em Cristo. Trata-se de uma verdadeira paternidade espiritual, como exclamava São Paulo: «Com efeito, ainda que tivésseis dez mil mestres em Cristo, não tendes muitos pais; ora, fui eu que vos gerei em Cristo Jesus pelo Evangelho» (1Cor 4,15).
Como Abraão, o sacerdote também se torna «pai de muitos povos» (Rm 4,18), e, no crescimento cristão que floresce entorno a si, encontra a recompensa para as fadigas e sofrimentos do seu serviço cotidiano. Além disso, também no nível sobrenatural, tanto quanto no nível natural, a missão da paternidade não termina com o nascimento, mas se estende a abraçar toda a vida: «Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de preparar para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer , quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. Depois de Deus, o sacerdote é tudo! Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no céu».
Os presbíteros transformam em vida aquelas palavras do Apóstolo: «Filhinhos meus, por quem de novo sinto dores de parto, até que Cristo seja formado em vós!» (Gl 4,19). Deste modo, vivem com generosidade renovada cada dia este dom da paternidade espiritual e orientam para esta o cumprimento de cada dever do seu ministério.
Autoridade como “amoris officium“
25. Uma manifestação ulterior da colocação do sacerdote à frente da Igreja está em ele ser o guia que conduz à santificação os fiéis confiados ao seu ministério, que é essencialmente pastoral, apresentando-se, porém, com aquele prestígio que fascina e faz com que a mensagem se torne credível (cf. Mt 7,29). Toda autoridade deve ser exercida, efetivamente, em espírito de serviço, como amoris officium e dedicação desinteressada pelo bem do rebanho (cf. Jo 10,11; 13,14).
Esta realidade, a ser viver com humildade e coerência, pode estar sujeita a duas tentações opostas. A primeira é a de exercer o próprio ministério pondo e dispondo do rebanho (cf. Lc 22,24-27; 1Ped 5,1-4), enquanto a segunda tentação é a de esvaziar, mediante uma incorreta concepção de comunidade, a própria configuração a Cristo Cabeça e Pastor.
A primeira tentação foi forte também para os próprios discípulos e recebeu de Jesus uma correção precisa e repetida. Quando esta dimensão é descuidada, não é difícil cair na tentação do “clericalismo”, com um desejo de subjugar os leigos que se torna fonte de antagonismos entre os ministros sagrados e o povo.
O sacerdote não deve encarar a sua própria função como que reduzida a de um simples dirigente. Ele é mediador – a ponte –, isto é, aquele que deve recordar sempre que o Senhor e Mestre «não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10,45); que se ajoelhou a lavar os pés aos seus discípulos (cf. Jo 13,5) antes de morrer na Cruz e antes de enviá-los por todo o mundo (cf. Jo 20,21). Assim, o presbítero, ocupado no cuidado do rebanho que pertence ao Senhor, procurará «proteger a grei, alimentando-a e conduzindo-a para Ele, o Bom Pastor que deseja a salvação de todos. Por conseguinte, alimentar o rebanho do Senhor é um ministério de amor vigilante, que exige a dedicação total, até esgotar as próprias forças e, se for necessário, até ao sacrifício da vida».
Os sacerdotes darão autêntico testemunho do Senhor Ressuscitado, a quem foi dado «todo o poder no céu e na terra» (cf. Mt 28,18), se exercerem o próprio poder gastando-o no humilde e autorizado serviço em favor do rebanho e no respeito das tarefas que Cristo e a Igreja confiam aos fiéis leigos e aos fiéis consagrados pela profissão dos conselhos evangélicos.
Tentação do democratismo e do igualitarismo
26. Às vezes, acontece que, para evitar este primeiro desvio, se cai no segundo, tendente a eliminar todas as diferenças de funções entre os membros do Corpo de Cristo que é a Igreja, negando na prática a distinção entre o sacerdócio comum e o ministerial.
Entre as diversas formas desta negação, que hoje se notam, encontra-se o chamado «democratismo», que leva a não reconhecer a autoridade e a graça capital de Cristo, presente nos ministros sagrados, e a desnaturar a Igreja como Corpo Místico de Cristo. A propósito, convém recordar que a Igreja reconhece todos os méritos e valores que a cultura democrática trouxe consigo para a sociedade civil. Além disso, a Igreja combate sempre com todos os meios à sua disposição para o reconhecimento da igual dignidade de todos os homens. Com base na Revelação, o Concílio Vaticano II falou abertamente da comum dignidade de todos os batizados na Igreja. Entretanto, é necessário afirmar que tanto esta igualdade radical quanto a diversidade de condições e serviços têm como fundamento último a própria natureza da Igreja.
Efetivamente, a Igreja deve a sua existência e a sua estrutura ao desígnio salvífico de Deus. Ela contempla-se a si mesma como dom da benevolência do Pai que a libertou mediante a humilhação do seu Filho na cruz. Portanto, a Igreja quer ser – no Espírito Santo – totalmente conforme e fiel à vontade livre e libertadora do seu Senhor Jesus Cristo. Este mistério faz com que a Igreja seja, por sua própria natureza, uma realidade diversa das puras sociedades humanas.
Por conseguinte, não é admissível na Igreja certa mentalidade, que se manifesta por vezes em alguns organismos de participação eclesial, e que tende tanto a confundir as tarefas dos presbíteros e as dos fiéis leigos, quanto a não distinguir a autoridade própria do Bispo dos presbíteros como colaboradores dos Bispos, como a não dar a devida adesão ao Magistério universal, exercido pelo Romano Pontífice na sua função primacial, querida por Senhor. Em muitos aspectos, esta é uma tentativa de transferir automaticamente à Igreja a mentalidade e a práxis existente em algumas correntes culturais sócio-políticas do nosso tempo, sem levar suficientemente em conta que ela deve a sua existência e estrutura ao desígnio salvífico de Deus em Cristo.
A propósito, é necessário recordar que tanto o presbitério quanto o Conselho Presbiteral – instituição jurídica auspiciada pelo Decreto Presbyterorum Ordinis – não são expressões do direito de associação dos clérigos e tão pouco podem ser entendidos segundo uma ótica sindical, com reivindicações e interesses de partido, alheios à comunhão eclesial.
Distinção entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial
27. A distinção entre o sacerdócio comum ou batismal e o ministerial, longe de comportar separação ou divisão entre os membros da comunidade cristã, harmoniza e unifica a vida da Igreja, porque «o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro». Com efeito, enquanto Corpo de Cristo, a Igreja é comunhão orgânica entre todos os membros, e nela cada um serve a vida do conjunto na medida em que vive plenamente o seu papel distinto e a sua vocação específica (1Cor 12, 12ss).
Portanto, a nenhum é lícito mudar o que Cristo quis para a sua Igreja. Ela está indissoluvelmente ligada ao seu Fundador e Cabeça, o qual é o único a dar-lhe, mediante a potência do Espírito Santo, ministros para o serviço dos seus fiéis. Nenhuma comunidade, mesmo em situação de particular necessidade, pode substituir Cristo que chama, consagra e envia, por meio dos legítimos pastores, concedendo-se o próprio sacerdote, contrariando as disposições da Igreja: o sacerdócio é uma escolha de Jesus, e não da comunidade (cf. Jo 15,16). A resposta para resolver os casos de necessidade está na oração de Jesus: «pedi ao Senhor da messe que mande trabalhadores para a Sua seara!» (Mt 9,38). Se a esta oração feita com fé se unir a intensa vida de caridade da comunidade, então estaremos seguros de que o Senhor não deixará de dar pastores segundo o seu coração (cf. Jr 3,15).
28. Para salvar a ordem estabelecida pelo Senhor Jesus, é necessário evitar a chamada “clericalização” do laicado, que tende a restringir o sacerdócio ministerial do presbítero, que é o único, depois do Bispo, ao qual, em virtude do ministério sacerdotal recebido mediante a ordenação, se pode atribuir dum modo próprio e unívoco o termo “pastor”. A qualificação de «pastoral», com efeito, refere-se à participação no ministério episcopal.
1.5 Comunhão sacerdotal
Comunhão com a Trindade e com Cristo
29. À luz de tudo quanto se disse sobre a identidade, a comunhão do sacerdote realiza-se antes de tudo com o Pai, origem última de todo o poder; com o Filho, em cuja missão redentora participa; e com o Espírito Santo, que lhe dá a força para viver e realizar a caridade pastoral que, como «princípio interior, a virtude que orienta e anima a vida espiritual do presbítero», o qualifica sacerdotalmente. Uma caridade pastoral que, longe de estar reduzida a um conjunto de técnicas e métodos direcionados à eficiência funcional do ministério, faz referência à natureza própria da missão da Igreja, destinada à salvação da humanidade.
Com efeito, «não se pode definir a natureza e a missão do sacerdócio ministerial, senão nesta múltipla e rica trama de relações, que brotam da Trindade Santíssima e se prolongam na comunhão da Igreja como sinal e instrumento, em Cristo, da união com Deus e da unidade de todo o gênero humano».
Comunhão com a Igreja
30. Desta fundamental união-comunhão com Cristo e com a Trindade deriva, para o presbítero, a sua comunhão-relação com a Igreja nos seus aspectos de mistério e de comunidade eclesial.
Concretamente, a comunhão eclesial do presbítero realiza-se de diversos modos. Com efeito, mediante a ordenação sacramental, ele estabelece laços especiais com o Papa, com o Corpo episcopal, com o Bispo próprio, com os outros presbíteros, com os fiéis leigos.
Comunhão hierárquica
31. A comunhão como característica do sacerdócio funda-se na unicidade da Cabeça, Pastor e Esposo da Igreja, que é Cristo.
Em tal comunhão ministerial, sobressaem alguns vínculos determinados em relação, antes de tudo, com o Papa, com o Colégio Episcopal e com o Bispo próprio. «Não existe ministério sacerdotal senão na comunhão com o Sumo Pontífice e com o Colégio Episcopal e de modo particular com o próprio Bispo diocesano, aos quais se deve guardar filial respeito e obediência prometidos no rito da ordenação». Trata-se, portanto, duma comunhão hierárquica, isto é, duma comunhão na qual a hierarquia se apresenta interiormente estruturada.
Em virtude da participação em grau subordinado aos Bispos – que são investidos de um poder «próprio, ordinário e imediato, embora o seu exercício seja superiormente regulado pela suprema autoridade da Igreja» –, no único sacerdócio ministerial, tal comunhão implica também o vínculo espiritual e orgânico-estrutural dos presbíteros com toda a ordem dos Bispos e com o Bispo próprio, e com o Romano Pontífice. Isto é reforçado pelo fato de que toda a ordem dos Bispos no seu conjunto e cada um dos Bispos devem estar em comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio. Tal Colégio, com efeito, é constituído só pelos Bispos consagrados, que estão em comunhão hierárquica com a Cabeça e os seus membros.
Comunhão na celebração eucarística
32. A comunhão hierárquica está expressa de modo significativo na oração eucarística, quando o sacerdote, ao rezar pelo Papa, pelo Colégio Episcopal e pelo Bispo próprio, não exprime apenas um sentimento de devoção, mas testemunha a autenticidade da sua celebração.
A própria celebração eucarística, nas circunstâncias e condições previstas, quando é presidida pelo Bispo e com a participação dos fiéis, sobretudo na Igreja catedral, manifesta bem a unidade do sacerdócio de Cristo na pluralidade dos seus ministros, e a unidade do sacrifício e do Povo de Deus. Além disso, ela concorre para consolidar a fraternidade ministerial existente entre os presbíteros.
Comunhão na atividade ministerial
33. Todo o presbítero tenha um profundo, humilde e filial vínculo de obediência e de caridade para com a pessoa do Santo Padre e adira ao seu ministério petrino de magistério, de santificação e de governo, com docilidade exemplar.
Também a união filial com o Bispo próprio é condição indispensável para a eficácia do próprio ministério sacerdotal. Para os pastores mais entendidos, é fácil constatar a necessidade de evitar toda a forma de subjetivismo no exercício do seu ministério, aderindo corresponsavelmente aos programas pastorais. Tal adesão, que comporta proceder de acordo com a mente do Bispo, para além de ser expressão de maturidade, contribui para a edificação daquela unidade na comunhão que é indispensável para a obra de evangelização.
No pleno respeito da subordinação hierárquica, o presbítero tornar-se-á promotor dum relacionamento franco, vivo e filial com o seu Bispo, assinalado por uma confiança sincera, por uma amizade cordial, oração pela sua pessoa e intenções, por um verdadeiro esforço de conformidade e convergência ideal e programática, no espírito duma inteligente capacidade de iniciativa e de coragem pastoral.
Em vista do próprio crescimento espiritual e pastoral, e por amor ao seu rebanho, o sacerdote deveria acolher com gratidão, e, ainda mais, procurar com regularidade as orientações do Bispo ou de seus representantes para o desenvolvimento do seu ministério pastoral. É também um costume digno de admiração pedir o parecer de sacerdotes mais experimentados e de leigos qualificados relativamente aos métodos pastorais que sejam mais idôneos.
Comunhão no presbitério
34. Em virtude do sacramento da Ordem, «cada sacerdote está unido aos outros membros do presbitério por particulares vínculos de caridade apostólica, de ministério e de fraternidade». Com efeito, ele é inserido no Ordo Presbyterorum, constituindo aquela unidade que se pode definir como uma verdadeira família na qual os laços não vêm da carne nem do sangue, mas da graça da Ordem.
A agregação a um presbitério determinado realiza-se sempre no âmbito de uma Igreja particular, de um Ordinariato ou de uma Prelazia pessoal – isto é, de uma “missão episcopal”, não somente por motivo da incardinação –, o que não cancela o fato de o presbítero, enquanto batizado, pertencer de modo imediato à Igreja universal: na Igreja ninguém é estrangeiro; toda a Igreja, e cada diocese, é família, a família de Deus.
Fraternidade sacerdotal e agregação ao presbitério são, portanto, elementos que caracterizam o sacerdote. Particularmente significativo, na ordenação presbiteral, é o rito da imposição das mãos por parte do Bispo, no qual tomam parte todos os presbíteros presentes, para indicar a participação no mesmo grau de ministério e para mostrar que o sacerdote não pode agir sozinho, mas sempre no interior do presbitério, tornando-se irmão de todos aqueles que o constituem.
«Os bispos e presbíteros recebem a missão e a faculdade de agir na pessoa de Cristo Cabeça e os diáconos a força de servir o povo de Deus na “diaconia” da Liturgia, da Palavra e da caridade, em comunhão com o Bispo e com o seu presbitério».
A incardinação, autêntico vínculo jurídico com valor espiritual
35. A incardinação «em alguma Igreja particular ou prelazia pessoal, ou em algum instituto de vida consagrada ou sociedade dotados desta faculdade», constitui um autêntico vínculo jurídico que tem também um valor espiritual, já que dela provém «a relação com o Bispo no único presbitério, a partilha da solicitude pastoral, a dedicação à cura evangélica do Povo de Deus nas condições históricas concretas e ambientais».
Não se esqueça, a propósito, de que os sacerdotes seculares não incardinados na Diocese e os sacerdotes membros de um Instituto religioso ou de uma Sociedade de vida apostólica, os quais residem na Diocese e exercem, para o seu bem, qualquer missão, embora estejam sujeitos aos seus legítimos Ordinários, pertencem a pleno ou a diverso título ao presbitério de tal diocese, onde «têm voz quer ativa quer passiva para constituir o conselho presbiteral». Os sacerdotes religiosos, em particular, numa unidade de forças, partilham da solicitude pastoral oferecendo o contributo de carismas específicos e «estimulando com a sua presença a Igreja particular a viver mais intensamente a sua abertura universal».
Os presbíteros incardinados numa Diocese, mas que aí estão para o serviço de qualquer movimento eclesial ou nova comunidade aprovados pela autoridade eclesiástica competente, ao qual pertencem, estejam conscientes de ser membros do presbitério da Diocese em que desempenham o seu ministério e de dever colaborar sinceramente com ele. Por sua vez, o Bispo de incardinação favoreça positivamente o direito à própria espiritualidade, que a lei reconhece a todos os fiéis, respeite o estilo de vida exigido pela agregação ao Movimento e esteja disposto, de acordo com as normas do direito, a permitir que o presbítero possa prestar o seu serviço noutras Igrejas, se isto faz parte do carisma do mesmo movimento, se empenhando sempre em reforçar a comunhão eclesial.
Presbitério, lugar de santificação
36. O presbitério é o lugar privilegiado para o sacerdote poder encontrar os meios específicos de formação, de santificação e de evangelização e ser ajudado a superar as limitações e as fraquezas próprias da natureza humana que hoje particularmente se notam.
Portanto, ele fará todos os esforços para evitar viver o seu sacerdócio de um modo isolado e subjetivista e favorecerá a comunhão fraterna dando e recebendo – de sacerdote a sacerdote – o calor da amizade, da assistência cordial, do acolhimento, da correção fraterna, muito consciente de que a graça da Ordem «assume e eleva as relações humanas, psicológicas, afetivas, de amizade e espirituais e se concretiza nas mais variadas formas de ajuda recíproca, não só espirituais, mas também materiais».
Tudo isto é expresso, além do que na Missa crismal – manifestação da comunhão dos presbíteros com o seu bispo –, na liturgia da Missa In Coena Domini da Quinta-Feira Santa, a qual mostra como, da comunhão eucarística – nascida na última Ceia –, os sacerdotes recebem a capacidade de se amarem uns aos outros, como o Mestre os ama.
Fraterna amizade sacerdotal
37. O sentido profundo e eclesial do presbitério não só não impede, como ajuda as responsabilidades pessoais de todos os presbíteros na realização do ministério particular que o Bispo lhes confiou. A capacidade de cultivar e viver amadurecidas e profundas amizades sacerdotais aparece como fonte de serenidade e de alegria no exercício do ministério, apoio decisivo nas dificuldades e ajuda preciosa no incremento da caridade pastoral, que o presbítero deve exercer dum modo particular precisamente para com os colegas em dificuldade, que têm necessidade de compreensão, ajuda e apoio. A fraternidade sacerdotal, expressão da lei da caridade, longe de reduzir-se a um simples sentimento, se torna para os presbíteros uma memória existencial de Cristo e um testemunho apostólico de comunhão eclesial.
Vida comum
38. Uma manifestação desta comunhão é também a vida comum, desde sempre apoiada pela Igreja, recentemente recomendada pelos documentos do Concílio Vaticano II e do Magistério sucessivo, positivamente aplicada em não poucas dioceses. «A vida comum manifesta uma ajuda que Cristo confere à nossa existência, chamando-nos através da presença dos irmãos, a uma configuração cada vez mais profunda com a sua própria Pessoa. Viver com os outros significa aceitar a necessidade de uma conversão pessoal contínua e, sobretudo, descobrir a beleza de tal caminho, a alegria da humildade, da penitência, mas também da conversão, do perdão recíproco e do sustento mútuo. “Ecce quam bonum et quam iucundum habitare fratres in unum” (Sl 133,1)».
Para enfrentar um dos problemas atuais mais importantes da vida sacerdotal, que é a solidão do padre, «nunca será demasiado recomendar aos sacerdotes a utilidade de certa vida comum entre eles, inteiramente orientada ao ministério propriamente espiritual; a prática de frequentes encontros, com fraternas trocas de idéias, de conselhos e de experiências; a promoção de associações que favoreçam a santidade sacerdotal».
39. Entre as diversas formas de vida comum (casa, comunidade de mesa, etc.) deve considerar-se como mais excelente a participação comunitária na oração litúrgica. As diversas modalidades devem ser apoiadas, segundo as possibilidades e as conveniências práticas, sem necessariamente recalcar louváveis modelos próprios da vida religiosa. São particularmente dignas de louvor aquelas associações que favorecem a fraternidade sacerdotal, a santidade no exercício do ministério, a comunhão com o Bispo e com toda a Igreja.
Levando em conta a importância de que os sacerdotes vivam nas adjacências de onde mora o povo ao qual servem, e de se desejar que os párocos estejam dispostos a apoiar a vida comum na casa paroquial com os seus vigários, estimulando-os efetivamente como seus colaboradores e participantes da solicitude pastoral; por seu lado, os vigários, para construir a comunhão sacerdotal, devem reconhecer e respeitar a autoridade do pároco. Nos casos onde não houver mais que um sacerdote numa paróquia, aconselha-se vivamente a possibilidade de uma vida comum com outros sacerdotes de paróquias limítrofes.
Em muitos lugares, a experiência desta vida comum foi assaz positiva por ter representado um verdadeiro auxílio para o sacerdote: cria-se um ambiente de família, pode-se convenientemente ter – com a devida permissão do Ordinário – uma capela com o Santíssimo Sacramento, pode-se rezar em comum, etc. Ademais, como é sabido pela experiência e ensinamento dos santos, «ninguém pode assumir a força regeneradora da vida comum sem a oração sem uma existência sacramental vivida com fidelidade. Se não entrarmos no diálogo eterno que o Filho mantém com o Pai, no Espírito Santo, nenhuma vida comum autêntica é possível. É necessário estar com Jesus para poder estar com os outros». São muitos os casos de sacerdotes que encontraram na adoção de oportunas formas de vida comunitária uma ajuda importante tanto para as suas exigências pessoais quanto para o exercício do seu ministério pastoral.
40. A vida comum é imagem daquela apostólica vivendi forma de Jesus com seus discípulos. Com o dom do sagrado celibato pelo Reino dos Céus, o Senhor nos tornou membros de sua família de um modo especial. Numa sociedade marcada fortemente pelo individualismo, o sacerdote precisa de um relacionamento pessoal mais profundo e de um espaço vital caracterizado pela amizade fraterna, em que possa viver como cristão e sacerdote: «momentos de oração e estudo em comum, de partilha das exigências da vida e trabalho sacerdotal são uma parte necessária da vossa vida».
Assim, nesta atmosfera de auxílio recíproco, o sacerdote encontra o terreno adequado para perseverar na vocação de serviço à Igreja: «na companhia de Jesus e dos irmãos, cada sacerdote pode encontrar as energias necessárias para poder ocupar-se dos homens, para responder às necessidades espirituais e materiais que encontra, para ensinar com palavras sempre novas, ditadas pelo amor, as verdades eternas da fé, das quais também os nossos contemporâneos têm sede».
Na oração sacerdotal da última Ceia, Jesus orou pela unidade dos seus discípulos: «Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós» (Jo 17,21). Cada comunhão na Igreja «deriva da unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo». Os sacerdotes estejam convencidos de que a sua comunhão fraterna, especialmente na vida comum, constitui um testemunho, segundo aquilo que o Senhor Jesus encareceu na sua oração ao Pai: que os discípulos sejam um, para que o mundo «creia que tu me enviaste» (Jo 17,21) e saiba «que os amaste, como amaste a mim» (Jo 17,23). «Jesus pede que a comunidade sacerdotal seja reflexo e participação da comunhão trinitária: que sublime ideal».
Comunhão com os fiéis leigos
41. Homem de comunhão, o sacerdote não pode exprimir o seu amor ao Senhor e à Igreja sem traduzi-lo em amor real e incondicionado ao Povo cristão, objeto do seu trabalho pastoral.
Como Cristo, o presbítero deve tornar-se «quase a sua transparência no meio do rebanho» que lhe foi confiado, colocando-se em relação positiva com os fiéis leigos. Reconhecendo a sua dignidade de filhos de Deus, promove o seu papel na Igreja, e coloca ao seu serviço todo o seu ministério sacerdotal e a sua caridade pastoral.
Esta atitude de amor e de caridade está bem distante da assim chamada “laicização dos presbíteros”, que, ao contrário, leva a diluir nos sacerdotes aquilo que constitui sua própria identidade: os fiéis pedem aos seus pastores para mostrarem-se como tais, seja no aspecto exterior como na dimensão interior, a todo o momento, lugar e circunstância. A visita anual e a bênção pascal das famílias é uma preciosa ocasião para a missão evangelizadora do pastor das almas.
Uma peculiar manifestação desta dimensão na edificação da comunidade cristã consiste em superar qualquer atitude particularista; com efeito, os presbíteros não devem colocar-se ao serviço de uma ideologia particular, pois isto tiraria eficácia do seu ministério. O relacionamento do presbítero com os fiéis deve ser sempre essencialmente sacerdotal.
Mediante a consciência da profunda comunhão que o liga aos fiéis leigos e aos religiosos, o sacerdote fará todo o esforço para «suscitar e desenvolver a corresponsabilidade na comunhão e única missão de salvação, com a pronta e cordial valorização de todos os carismas e tarefas que o Espírito concede aos crentes para a edificação da Igreja».
Mais concretamente, o pároco, procurando sempre o bem comum na Igreja, apoiará as associações de fiéis e os movimentos ou as novas comunidades que têm finalidades religiosas, acolhendo-os a todos, e ajudando-os a encontrar entre elas a unidade de intenções na oração e na ação apostólica.
Uma das tarefas que exigem mais atenção é a formação dos leigos. O presbítero não se pode contentar em que os fiéis tenham um conhecimento superficial da fé, mas deve procurar oferecer-lhes uma formação sólida, perseverando em seu esforço mediante aulas de teologia, cursos sobre a doutrina cristã, especialmente com o estudo do Catecismo da Igreja Católica e do seu Compêndio. Esta formação ajudará os leigos a desenvolverem plenamente o próprio papel de animação cristã da ordem temporal (política, cultural, econômica e social). Além disso, em certos casos, podem-se confiar aos leigos, que tenham uma suficiente formação e o desejo sincero de servir a Igreja, algumas tarefas – de acordo com as leis da Igreja – que não pertencem exclusivamente ao ministério sacerdotal e que estes podem desenvolver com base na sua experiência profissional pessoal. Deste modo, o sacerdote estará mais livre para cuidar ainda mais de seus deveres primordiais, como a pregação, a celebração dos Sacramentos e a direção espiritual. Neste sentido, uma das tarefas importantes dos párocos é descobrir, entre os fiéis, pessoas com a capacidade, as virtudes e uma vida cristã coerente – por exemplo, no que diz respeito ao matrimônio –, que possam ajudar eficazmente nas diversas atividades pastorais: preparação das crianças para a primeira comunhão e a primeira confissão, ou dos jovens para a crisma, a pastoral familiar, a catequese para aqueles que estão para casar-se, etc. Efetivamente, a preocupação pela formação destas pessoas – que são modelos para tantas outras – e o fato de ajudá-las em seu caminho de fé deverá ser uma das inquietudes principais dos presbíteros.
Enquanto reúne a família de Deus e realiza a Igreja-comunhão, o presbítero torna-se o pontífice, aquele que une o homem a Deus, tornando-se irmão dos homens pelo fato mesmo de querer ser seu pastor, pai e mestre. Para o homem de hoje, que procura o sentido da sua existência, ele é guia que leva ao encontro com Cristo, encontro que, embora de maneira não definitiva, se realiza, como anúncio e como realidade já presente na sua Igreja. Deste modo, o presbítero, colocado ao serviço do Povo de Deus, deve apresentar-se como perito em humanidade, homem de verdade e de comunhão, testemunha da solicitude do Único Pastor por todas e cada uma das suas ovelhas. A comunidade deve poder seguramente contar com a sua disponibilidade, o seu trabalho de evangelização e, sobretudo, com o seu amor fiel e incondicionado. Manifestação deste amor será principalmente a sua dedicação à pregação, à celebração dos sacramentos, em particular da Eucaristia e do sacramento da penitência, à direção espiritual como meio para ajudar no discernimento dos sinais da vontade de Deus. Portanto, ele deve exercer a sua missão espiritual com amabilidade e firmeza, com humildade e espírito de serviço, dobrando-se à compaixão, participando nos sofrimentos humanos que derivam das várias formas de pobreza, espiritual e material, velhas e novas. Que use de misericórdia em relação ao caminho difícil e incerto de conversão dos pecadores, para os quais terá sempre disponível o dom da verdade, e a paciente e encorajante benevolência do Bom Pastor, que não censura a ovelha perdida, mas carrega-a aos ombros e faz uma festa pelo seu regresso ao rebanho (cf. Lc 15, 4-7).
Trata-se de afirmar a caridade de Cristo como origem e perfeita realização do homem novo (cf. Ef 2,15), ou seja, daquilo que o homem é em sua verdade completa. Esta caridade se traduz na vida do presbítero em uma autêntica paixão que configura expressamente o seu ministério em função da geração do povo cristão.
Comunhão com os membros dos Institutos de vida consagrada
42. Reservará uma particular atenção às relações com os irmãos e as irmãs empenhados na vida de consagração especial a Deus em todas as suas formas, mostrando-lhes um apreço sincero e um real espírito de colaboração apostólica, respeitando e promovendo os carismas específicos. Além disso, colaborará para que a vida consagrada apareça cada vez mais luminosa para vantagem da Igreja inteira e cada vez mais persuasiva e atraente para as gerações jovens.
Neste espírito de estima pela vida consagrada, o sacerdote terá particular cuidado com aquelas comunidades que, por diversos motivos, mais precisarem da sã doutrina, da assistência e do encorajamento na fidelidade e na busca pelas vocações.
Pastoral vocacional
43. Todo o sacerdote deve se ocupar com especial dedicação da pastoral vocacional, não deixando de incentivar a oração pelas vocações, de prodigar-se na catequese, de cuidar da formação dos acólitos, de apoiar iniciativas apropriadas mediante a relação pessoal que faça descobrir os talentos e saiba descobrir a vontade de Deus em ordem a uma escolha corajosa na sequela de Cristo. Neste trabalho, têm uma fundamental importância as famílias que se constituem como igrejas domésticas, nas quais os jovens aprendem desde crianças a rezar, crescer nas virtudes e ser generosos. Os presbíteros devem encorajar os esposos cristãos a configurar o próprio lar como uma verdadeira escola de vida cristã, a rezar junto com os filhos, a pedir a Deus que chame alguém para segui-lo mais estreitamente com o coração indiviso (cf. 1Cor 7,32-34), a estar sempre alegres diante das vocações que possam surgir na própria família.
Esta pastoral deve estar fundamentada primeiramente sobre a grandeza do chamado – escolha divina em favor dos homens. Em primeiro lugar, convém apresentar aos jovens o precioso e belíssimo dom que consiste em seguir Cristo. Por isso, o ministro ordenado está revestido do importante papel de dar exemplo por sua fé e por sua vida: a consciência clara da própria identidade, a coerência de vida, a alegria transparente e o ardor missionário constituem outros tantos elementos imprescindíveis daquela pastoral das vocações que deve integrar-se na pastoral orgânica e ordinária. Portanto, a manifestação alegre de sua adesão ao mistério de Jesus e a sua atitude de oração, o cuidado e a devoção com a qual celebra a Santa Missa e os sacramentos, irradiam aquele exemplo que fascina os jovens.
Além disso, a longa experiência da vida da Igreja sempre ressaltou a necessidade de cuidar com paciência e constância, sem desencorajar-se, da formação dos jovens desde a infância. Deste modo, estes terão aquelas necessárias recursos espirituais para responder a uma eventual chamada de Deus. Por isso, é indispensável – e deveria fazer parte de qualquer pastoral vocacional – fomentar neles a vida de oração e intimidade com Deus, o recurso aos sacramentos, especialmente à Eucaristia e à confissão, à direção espiritual como ajuda para progredir na vida interior. Os sacerdotes, assim, suscitarão de modo adequado e generoso a proposta vocacional aos jovens que pareçam bem dispostos. Este empenho, embora deva ser constante, deveria ser intensificado especialmente em algumas circunstâncias, como, por exemplo, por ocasião dos exercícios espirituais ou da preparação dos crismandos, ou da atenção aos jovens que servem o altar.
Com o seminário, berço da sua vocação e palco da primeira experiência de vida de comunhão, o sacerdote manterá sempre relações de colaboração cordial e de afeto sincero.
É «exigência insuprimível da caridade pastoral», do amor ao próprio sacerdócio, que – secundando a graça do Espírito Santo – cada presbítero se preocupe de suscitar ao menos uma vocação sacerdotal que lhe possa continuar o ministério a serviço do Senhor e em favor dos homens.
Empenho político e social
44. O sacerdote, servidor da Igreja que em virtude da sua universalidade e catolicidade não pode ligar-se a nenhuma contingência histórica, estará acima de qualquer parte política. Ele não pode tomar parte ativa em partidos políticos ou na condução de associações sindicais, a menos que, na opinião da autoridade eclesiástica competente, o exijam a defesa dos direitos da Igreja e a promoção do bem comum. Com efeito, embora estas coisas sejam boas em si mesmas, são, todavia, alheias ao estado clerical, enquanto podem constituir um perigo grave de rotura da comunidade eclesial.
Como Jesus (cf. Jo 6,15ss), o presbítero «deve renunciar a empenhar-se em formas de política ativa, especialmente quando ela é partidária, como quase sempre inevitavelmente acontece, para permanecer o homem de todos num plano de fraternidade espiritual». Por isso, todo o fiel deve sempre poder abeirar-se do sacerdote sem se sentir excluído por nenhum motivo.
O presbítero recordará que «não compete aos Pastores da Igreja intervir diretamente na ação política e na organização social. Esta tarefa faz parte, com efeito, da vocação dos fiéis leigos, os quais por iniciativa própria trabalham juntamente com os seus concidadãos». Ele não deixará de dedicar-se, seguindo os critérios do Magistério, «ao esforço de formar retamente a sua consciência». Portanto, o sacerdote tem uma particular responsabilidade de explicar, promover e, se necessário, defender – sempre seguindo as orientações do direito e do Magistério da Igreja – as verdades religiosas e morais, também diante da opinião pública e, mesmo até, caso possua a necessária preparação específica, no amplo campo dos mass media. Em uma cultura sempre mais secularizada, na qual a religião é frequentemente transcurada e considerada como irrelevante ou ilegítima no debate social, ou mesmo totalmente confinada apenas à intimidade das consciências, o sacerdote é chamado a sustentar o significado público e comunitário da fé cristã, transmitindo-a de modo claro e convincente, em todas as ocasiões, oportuna ou inoportunamente (cf. 2Tm 4,2), e levando em consideração o patrimônio de ensinamentos que constitui a Doutrina Social da Igreja. O Compêndio de doutrina social da Igreja é um instrumento eficaz que poderá ajudá-lo a apresentar este ensinamento social e mostrar a sua riqueza no contexto cultural hodierno.
A redução da sua missão a tarefas temporais, puramente sociais ou políticas ou de qualquer modo alheias à sua identidade, não é uma conquista, mas uma perda gravíssima para a fecundidade evangélica da Igreja inteira.
II. ESPIRITUALIDADE SACERDOTAL
A espiritualidade do sacerdote consiste principalmente na profunda relação de amizade com Cristo, porque ele é chamando a «ir até Ele» (cf. Mc 3,13). Neste sentido, na vida do sacerdote, Jesus terá sempre a primazia sobre tudo. Cada sacerdote age num contexto histórico particular, com os seus vários desafios e exigências. Exatamente por isto, a garantia de fecundidade do ministério radica numa profunda vida interior. Se o sacerdote não conta com o primado da graça, não poderá responder aos desafios dos tempos, e cada plano pastoral, por mais elaborado que possa ser, estaria destinado à falência.
2.1. Contexto histórico atual
Saber interpretar os sinais dos tempos
45. A vida e o ministério dos sacerdotes se desenvolvem sempre no contexto histórico, de vez em quando carregado de novos problemas e de recursos inéditos, em que a Igreja, peregrina neste mundo, vai vivendo.
O sacerdócio não nasce da história, mas da vontade imutável do Senhor. Todavia, ele vai-se confrontando com as circunstâncias históricas e – embora permanecendo sempre idêntico – configura-se, nas opções concretas, também por meio duma avaliação evangélica dos “sinais dos tempos”. Por isso, os presbíteros têm o dever de interpretar tais “sinais” à luz da fé e de submetê-los a um discernimento prudente. Em todo o caso não poderão ignorá-los, sobretudo se quiserem orientar dum modo eficaz e pertinente a própria vida, de modo que o seu serviço e o seu testemunho sejam cada vez mais fecundos para o reino de Deus. Na atual fase da vida da Igreja, em um contexto social assinalado por um forte secularismo, depois de ser reproposta a todos uma “medida alta” da vida cristã, a santidade, os presbíteros são chamados a viver em profundidade o seu ministério como testemunhas de esperança e transcendência, tendo em conta as cada vez mais profundas, numerosas e delicadas exigências de ordem não só pastoral, mas também social e cultural, às quais devem fazer frente.
Portanto, eles estão hoje empenhados nos diversos campos de apostolado que requerem generosidade e dedicação completa, preparação intelectual e, sobretudo, uma vida espiritual amadurecida e profunda, enraizada na caridade pastoral, que é a sua via específica para a santidade e que constitui também um autêntico serviço aos fiéis no ministério pastoral. Deste modo, se forem esforçados em viver plenamente a própria vocação – permanecendo unidos a Cristo e deixando-se compenetrar pelo Seu Espírito –, não obstante seus próprios limites, poderão realizar seu ministério, ajudados pela graça, na qual colocarão a sua confiança. É a ela que devem recorrer, «conscientes de que, assim, se pode tender à perfeição, com a esperança de progredir sempre mais na santidade».
A exigência da conversão para a evangelização
46. Daqui se conclui que o sacerdote está envolvido, de maneira muito especial, no empenho da Igreja inteira na nova evangelização. Partindo da fé em Jesus Cristo, Redentor do homem, tem a certeza de que n’Ele existe uma «imperscrutável riqueza» (Ef 3, 8) que nenhuma cultura, nenhuma época pode exaurir e da qual os homens sempre podem beber para se enriquecerem.
É esta, portanto, a hora duma renovação da nossa fé em Jesus Cristo, que é o mesmo «ontem, hoje e sempre» (Hb 13, 8). Por conseguinte, «a chamada à nova evangelização é, antes de mais nada, uma chamada à conversão». Ao mesmo tempo, é uma chamada à esperança, «que se apoia nas promessas de Deus, na fidelidade à sua Palavra, e que tem como certeza inabalável a ressurreição de Cristo, a sua vitória definitiva sobre o pecado e sobre a morte, primeiro anúncio e raiz de toda a evangelização, fundamento de toda a promoção humana, princípio de toda a autêntica cultura cristã».
Em tal contexto, o sacerdote deve, antes de qualquer coisa, reavivar a sua fé, a sua esperança e o seu amor sincero ao Senhor, de maneira a podê-lo apresentar à contemplação dos fiéis e de todos os homens como verdadeiramente é: uma Pessoa viva, fascinante, que nos ama mais do que ninguém, porque deu a Sua vida por nós; «não há maior amor do que dar a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).
Ao mesmo tempo, o sacerdote deveria agir movido por um espírito acolhedor e alegre, fruto de sua união com Deus pela oração e pelo sacrifício, que é um elemento essencial da sua missão evangelizadora de fazer-se tudo para todos (cf. 1Cor 9,19-23), para ganhá-los para Cristo. Ao mesmo tempo, consciente da misericórdia imerecida de Deus na própria vida e na vida dos seus irmãos, deve cultivar a virtude da humildade e da misericórdia para com todo o povo de Deus, especialmente em relação àquelas pessoas que se sentem alheias à Igreja. O sacerdote, consciente de que toda a pessoa, de diferentes modos, vive à procura dum amor capaz de levá-la para além dos estreitos limites da sua fraqueza, do seu egoísmo e, sobretudo, da sua morte, proclamará que Jesus Cristo é a resposta a todas estas ânsias.
Na nova evangelização, o sacerdote é chamado a ser o arauto da esperança, que se deriva também da consciência de que ele mesmo, antes de tudo, foi tocado pelo Senhor: ele vive em si a alegria da salvação que Jesus lhe ofereceu. Trata-se de uma esperança não apenas intelectual, mas também do coração, porque o presbítero foi tocado pelo amor de Cristo: «não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi» (Jo 15,16).
O desafio das seitas e dos novos cultos
47. O proliferar das seitas e dos novos cultos, bem como a sua difusão mesmo entre os fiéis católicos, constitui um particular desafio ao ministério pastoral. Na base dum tal fenômeno existem motivações complexas. Em todo o caso, o ministério dos presbíteros deve responder com prontidão e dum modo incisivo à procura do sagrado e, de modo particular, da autêntica espiritualidade emergente hoje. Consequentemente, é necessário que o sacerdote seja homem de Deus e mestre na oração. Ao mesmo tempo, impõe-se a necessidade de fazer com que a comunidade confiada aos seus cuidados pastorais seja realmente acolhedora, de maneira que ninguém que a ela pertença se sinta anônimo ou objeto de indiferença. Trata-se de uma responsabilidade que recai certamente sobre cada fiel, mas, de maneira muito particular sobre o presbítero, que é o homem da comunhão. Se ele souber acolher com estima e respeito todo aquele que o contatar apreciando sua personalidade, então criará um estilo de autêntica caridade que se tornará contagioso e se estenderá gradualmente a toda a comunidade.
Para vencer o desafio das seitas e dos novos cultos, é particularmente importante – além do desejo pela salvação eterna dos fiéis, que bate no coração de cada sacerdote – uma catequese amadurecida e completa, a qual requer, hoje, um esforço especial por parte do ministro de Deus, a fim de que todos os seus fiéis conheçam realmente o significado da vocação cristã e da fé católica. Neste sentido, «a medida mais simples, óbvia e urgente a ser tomada, que também poderia se mostrar como a mais eficaz, consiste em extrair o melhor das riquezas do patrimônio espiritual cristão».
De modo particular, os fiéis devem ser educados a conhecer bem a relação existente entre a sua vocação específica em Cristo e a pertença à Igreja, que devem aprender a amar filial e tenazmente. Tudo isto se realizará se o sacerdote, na sua vida e no seu ministério, evitar tudo o que poderia provocar tibieza, frieza ou aceitação parcial da doutrina e das normas da Igreja. Sem dúvida, para aqueles que procuram respostas entre as múltiplas propostas religiosas, «o fascínio do cristianismo se fará sentir antes de tudo no testemunho dos membros da Igreja, na sua fidelidade, calma, paciência e afeto, e no seu concreto amor ao próximo, todos frutos de sua fé, nutridos pela autêntica oração pessoal».
Luzes e sombras da atividade ministerial
48. É um motivo de grande conforto sublinhar que hoje os presbíteros de todas as idades e na sua maioria desenvolvem com alegre empenho, muitas vezes fruto de silencioso heroísmo, o sagrado ministério, trabalhando até ao limite das próprias forças, sem ver, por vezes, os frutos do seu trabalho.
Por este seu empenho, eles constituem atualmente um anúncio vivo daquela graça divina que, conferida no momento da ordenação, continua a dar força renovada para o trabalho ministerial.
Junto com estas luzes, que iluminam a vida do sacerdote, não faltam sombras que tendem a enfraquecer a beleza e a tornar menos eficaz o exercício do ministério: «no mundo de hoje, sendo tantos os deveres a cumprir e tão grande a diversidade de problemas em que se angustiam os homens, frequentíssimamente com urgência de solução, correm os mesmos homens o perigo de se dispersarem por muitas coisas. Também os presbíteros, implicados e dispersos por muitíssimas obrigações do seu ministério, podem perguntar, não sem ansiedade, como lhes será possível harmonizar a sua vida interior com a sua ação exterior».
O ministério pastoral é uma empresa fascinante, mas árdua, sempre exposta à incompreensão e à marginalização e, sobretudo, hoje, ao cansaço, à desconfiança, ao isolamento e, por vezes, à solidão.
Para vencer os desafios que a mentalidade secularista continuamente lhe coloca, o sacerdote terá o cuidado de reservar o primado absoluto à vida espiritual, ao estar sempre com Cristo e ao viver com generosidade a caridade pastoral, intensificando a comunhão com todos, em primeiro lugar, com os outros presbíteros. Como recordava Bento XVI aos sacerdotes, «a relação com Cristo, o diálogo pessoal com Cristo é uma prioridade pastoral fundamental, é condição para o nosso trabalho para os outros! E a oração não é algo marginal: a “profissão” do sacerdote é precisamente rezar, também como representante do povo que não sabe rezar ou não encontra tempo para fazê-lo».
2.2. Estar com Cristo na oração
Primado da vida espiritual
49. O sacerdote foi, por assim dizer, concebido na longa oração durante a qual o Senhor Jesus pediu ao Pai pelos seus apóstolos e, por todos aqueles que no decurso dos séculos iriam participar da sua missão (cf. Lc 6,12; Jo 17,15-20). A mesma oração de Jesus no Getsemani (cf. Mt 26,36-44), toda orientada para o sacrifício sacerdotal do Gólgota, manifesta dum modo paradigmático «como o nosso sacerdócio deva ser profundamente vinculado à oração: enraizado na oração».
Nascidos destas orações e chamados a renovar de modo sacramental e incruento um Sacrifício que é inseparável delas, os presbíteros manterão vivo o seu ministério mediante uma vida espiritual, à qual darão absoluta preeminência, evitando esquecê-la por causa das diversas atividades.
Precisamente para poder realizar frutuosamente o ministério pastoral, o sacerdote tem necessidade de entrar numa particular e profunda sintonia com Cristo bom Pastor, o qual permanece sempre o único protagonista principal de toda a ação pastoral: « permanece sempre o princípio e a fonte de unidade da vida dos presbíteros. Eles alcançarão a unidade da sua vida, unindo-se a Cristo no conhecimento da vontade do Pai e no dom de si mesmos pelo rebanho que lhes foi confiado. Assim, fazendo as vezes do Bom Pastor, encontrarão no próprio exercício da caridade pastoral o vínculo da perfeição sacerdotal, que conduz à unidade de vida e ação».
Meios para a vida espiritual
50. Com efeito, entre as graves contradições da cultura relativista, se evidencia uma autêntica desintegração da personalidade, causada pelo obscurecimento da verdade sobre o homem. O risco do dualismo na vida sacerdotal está sempre à espreita.
Tal vida espiritual deve ser encarnada na existência de cada presbítero mediante a liturgia, a oração pessoal, o estilo de vida e a prática das virtudes cristãs que contribuem para a fecundidade da ação ministerial. A própria conformação a Cristo exige que o sacerdote cultive um clima de amizade e de encontro pessoal com o Senhor Jesus, fazendo experiência de um encontro pessoal com Ele, e de colocar-se a serviço da Igreja, seu Corpo, à qual o sacerdote demonstrará amar pelo cumprimento fiel e incansável dos deveres próprios do seu ministério pastoral.
É necessário, portanto, que na vida de oração não falte nunca a celebração eucarística cotidiana, com adequada preparação e sucessiva ação de graças; a confissão frequente e a direção espiritual já praticada no seminário e frequentemente antes; a celebração íntegra e fervorosa da liturgia das horas, à qual está quotidianamente obrigado; o exame de consciência; a oração mental propriamente dita; a lectio divina, os momentos prolongados de silêncio e de colóquio, sobretudo nos Exercícios e retiros Espirituais periódicos; as preciosas expressões da devoção mariana, como o Rosário; a Via Sacra e os outros pios exercícios; a frutuosa leitura hagiográfica; etc. Sem dúvida, o bom uso do tempo, por amor a Deus e à Igreja, permitirá ao sacerdote manter mais facilmente uma sólida vida de oração. De fato, aconselha-se que o presbítero, com o auxílio do seu diretor espiritual, procure ater-se com constância a este plano de vida, que lhe permite crescer interiormente num contexto em que as múltiplas exigências da vida poderiam induzi-lo, muitas vezes, ao ativismo e a descuidar a dimensão espiritual.
Cada ano, como sinal do constante desejo de fidelidade, durante a Santa Missa crismal da Quinta-Feira Santa, os presbíteros renovem perante o Bispo e juntamente com ele as promessas feitas no momento da ordenação.
O cuidado da vida espiritual, que afasta o inimigo da tibieza, deve ser considerado pelo sacerdote como um dever que infunde alegria e ainda como um direito dos fiéis, que procuram nele, consciente ou inconscientemente, o homem de Deus, o conselheiro, o mediador de paz, o amigo fiel e prudente, o guia seguro em quem as pessoas confiam nos momentos duros da vida para encontrar conforto e segurança.
Em seu Magistério, Bento XVI apresenta um texto altamente significativo sobre a luta contra a tibieza espiritual que devem travar também aqueles que estão mais próximos ao Senhor, em razão do seu ministério: «Ninguém está tão próximo do seu senhor como o servo que tem acesso à dimensão mais privada da sua vida. Neste sentido, “servir” significa proximidade, exige familiaridade. Esta familiaridade inclui também um perigo: o de que o sagrado por nós continuamente encontrado se torne para nós um hábito. Desaparece assim o temor reverencial. Condicionados por todos os costumes, não deixamos de compreender o fato grande, novo, surpreendente, que Ele mesmo está presente, nos fala, se doe a nós. Contra este acostumar-se à realidade extraordinária, contra a indiferença do coração, devemos lutar sem tréguas, reconhecendo sempre de novo a nossa insuficiência e a graça que existe no fato de que Ele se entregue assim nas nossas mãos».
Imitar a Cristo que reza
51. Por causa de numerosos empenhos provenientes em larga medida da atividade pastoral, a vida do presbítero está exposta, hoje mais do que nunca, a uma série de solicitações que poderiam conduzi-la para um crescente ativismo, submetendo-a a um ritmo, por vezes, frenético e irresistível.
Contra tal tentação, é necessário não esquecer que a primeira intenção de Jesus foi a de convocar à sua volta os Apóstolos para que «estivessem com ele» (Mc 3,14).
O próprio Filho de Deus quis deixar-nos o testemunho da sua oração. Com efeito, muito frequentemente, os Evangelhos apresentam-nos Cristo em oração: na revelação da sua missão por parte do Pai (cf. Lc 3,21-22) antes de chamar os Apóstolos (cf. Lc 6,12), ao dar graças a Deus na multiplicação dos pães (cf. Mt 14, 19;15, 36; Mc 6,41; 8,7; Lc 9,16; Jo 6,11), na transfiguração no monte (cf. Lc 9,28-29), quando cura o surdo mudo (cf. Mc 7,34) e ressuscita Lázaro (cf. Jo 11,41ss), antes da confissão de Pedro (cf. Lc 9,18), quando ensina os discípulos a rezar (cf. Lc 11,1) e quando eles regressam depois de ter cumprido a sua missão (cf. Mt 11,25ss; Lc 10,21ss), ao abençoar as crianças (cf. Mt 19,13) e ao rezar por Pedro (cf. Lc 22,32), etc.
Toda a sua atividade quotidiana derivava da oração. Assim, ele retirava-se para o deserto ou para o monte para rezar (cf. Mc 1,35; 6,46; Lc 5,16; Mt 4,1; 14,23), levantava-se de manhã muito cedo (cf. Mc 1,35) e passava a noite inteira em oração a Deus (cf. Mt 14,23.25; Mc 6,46.48; Lc 6,12).
Até ao fim da sua vida, na última Ceia (cf. Jo 17,1-26), na agonia (cf. Mt 26,36-44 par.) e na cruz (cf. Lc 23,34.46; Mt 27,46; Mc 15,34), o divino Mestre demonstrou que a oração animava o seu ministério messiânico e o seu êxodo pascal. Ressuscitado de entre os mortos, vive para sempre e intercede por nós (cf. Hb 7,25).
Por isso, a prioridade fundamental do sacerdote é a sua relação pessoal com Cristo através de abundantes momentos de silêncio e de oração, nos quais cultiva e aprofunda o próprio relacionamento com a pessoa viva do Senhor Jesus. Seguindo o exemplo de São José, o silêncio do sacerdote «não manifesta um vazio interior, mas, ao contrário, a plenitude de fé que ele traz no coração, e que orienta todos os seus pensamentos e todas as suas ações». Um silêncio que, como o do santo Patriarca, «conserva a Palavra de Deus, conhecida através das Sagradas Escrituras, comparando-a continuamente com os acontecimentos da vida de Jesus; um silêncio impregnado de oração constante, de oração de bênção do Senhor, de adoração da sua santa vontade e de confiança sem reservas na sua providência».
Na comunhão da Sagrada Família de Nazaré, o silêncio de José se harmonizava com o recolhimento de Maria, «realização mais perfeita» da obediência da fé, a qual «conservava e meditava no seu coração todas as “maravilhas” feitas pelo Omnipotente».
Deste modo, os fiéis verão no sacerdote um homem apaixonado por Cristo, que leva consigo o fogo do Seu amor; um homem que se sabe chamado pelo Senhor e está cheio de amor pelos seus.
Imitar a Igreja que reza
52. Para permanecer fiel ao empenho de “estar com Jesus”, é necessário que o presbítero saiba imitar a Igreja que reza.
Proclamando a Palavra de Deus, que ele mesmo recebeu com alegria, o sacerdote recorde-se da exortação que o Bispo lhe dirigiu no dia da sua ordenação: «Por isso, fazendo da Palavra o objeto da tua contínua reflexão, crê sempre no que lês, ensina o que crês, realiza na vida o que ensinas. Deste modo, enquanto com a doutrina darás alimento ao Povo de Deus e com o bom testemunho da vida lhe servirás de conforto e sustento, tornar-te-ás construtor do templo de Deus, que é a Igreja». De forma semelhante, em relação à celebração dos sacramentos e, em particular, da Eucaristia: «Sê, portanto, consciente do que fazes, imita o que realizas e dado que celebras o mistério da morte e da ressurreição do Senhor, leva a morte de Cristo no teu corpo e caminha na sua novidade de vida». E, enfim, em relação à guia pastoral do Povo de Deus para conduzi-lo até ao Pai: «Por isso não deixes nunca de ter o olhar fixo em Cristo, bom Pastor, que veio, não para ser servido, mas para servir e para procurar e salvar os que estavam perdidos».
Oração como comunhão
53. Fortificado pela especial ligação ao Senhor, o presbítero saberá enfrentar os momentos em que poderia sentir-se só no meio dos homens; renovando energicamente o seu estar com Cristo na Eucaristia, lugar real da presença do seu Senhor.
Como Jesus, que enquanto estava só estava continuamente com o Pai (cf. Lc 3,21; Mc 1,35), assim também o presbítero deve ser o homem que, na solidão, encontra a comunhão com Deus, de modo a poder dizer com S. Ambrósio: «Nunca estou menos só do que quando pareço estar só».
Ao lado do Senhor, o presbítero encontrará a força e os instrumentos para re-aproximar os homens de Deus, para acender a sua fé, para suscitar empenho e partilha.
2.3. Caridade pastoral
Manifestação da caridade de Cristo
54. A caridade pastoral, intimamente conexa à Eucaristia, constitui o principio interior e dinâmico capaz de unificar as múltiplas e diversas atividades pastorais do presbítero e conduzir os homens à vida da Graça.
A atividade ministerial deve ser uma manifestação da caridade de Cristo, da qual o presbítero saberá exprimir atitudes e comportamentos, até a doação total de si em benefício do rebanho que lhe foi confiado. Deve ser particularmente próxima aos sofredores, aos pequenos, às crianças, às pessoas em dificuldade, aos marginalizados e aos pobres, levando a todos o amor e a misericórdia do Bom Pastor.
Assimilar a caridade pastoral de Cristo de maneira a torná-la forma da própria vida, é uma meta que exige do sacerdote uma intensa vida eucarística, bem como empenhos e sacrifícios contínuos, já que ela não se improvisa, não conhece pausas nem pode ser conseguida duma vez para sempre. O ministro de Cristo deve sentir-se obrigado a viver e a testemunhar esta realidade sempre e em toda a parte, mesmo quando, por causa da idade, fosse aliviado dos encargos pastorais.
Funcionalismo
55. A caridade pastoral corre, sobretudo hoje, o perigo de ser esvaziada do seu significado pelo assim chamado funcionalismo. Com efeito, não é raro notar, mesmo em alguns sacerdotes, o influxo duma mentalidade que tende erroneamente a reduzir o sacerdócio ministerial só aos aspectos funcionais. Ser padre consistiria em realizar alguns serviços e em garantir algumas prestações de trabalho. Tal concepção, redutora da identidade e do ministério do sacerdote, corre o risco de lançá-lo num vazio, que muitas vezes é preenchido por formas de vida que não estão de acordo com o próprio ministério.
O sacerdote que sabe ser ministro de Cristo e da Igreja, que age como apaixonado por Cristo com todas as forças da sua vida ao serviço de Deus e dos homens, encontra na oração, no estudo e na leitura espiritual a força necessária para vencer também este perigo.
2.4. A obediência
Fundamento da obediência
56. A obediência é uma virtude de importância primária e está estreitamente unida à caridade. Como ensina o Servo de Deus Paulo VI, na «caridade pastoral» se pode superar «a relação de obediência jurídica, para que essa obediência seja mais voluntária, mais leal e mais segura». O próprio sacrifício de Jesus na Cruz adquiriu valor e significado salvífico por causa da sua obediência e da sua fidelidade à vontade do Pai. Ele «foi obediente até a morte e morte de cruz» (Fl 2,8). A carta aos Hebreus sublinha também que Jesus «aprendeu por experiência a obediência pelas coisas que sofreu» (Hb 5,8). Pode, por isso, dizer-se que a obediência ao Pai está no próprio coração do Sacerdócio de Cristo.
Como para Cristo, assim também para o presbítero, a obediência exprime a total e alegre disponibilidade de se cumprir a vontade de Deus. Por isso, o sacerdote reconhece que esta Vontade é manifestada também pelas indicações dos legítimos superiores. Esta disponibilidade deve ser entendida como uma verdadeira realização da liberdade pessoal, consequência duma escolha amadurecida constantemente diante de Deus na oração. A virtude da obediência, requerida intrinsecamente pelo sacramento e pela estrutura hierárquica da Igreja, é claramente prometida pelo clérigo, primeiro no rito da ordenação diaconal e, depois, no da ordenação presbiteral. Mediante ela, o presbítero fortalece a sua vontade de comunhão, entrando, assim, na dinâmica da obediência de Cristo, feito Servo obediente até à morte de Cruz (cf. Fl 2,7-8).
Na cultura contemporânea, é sublinhada a importância da subjetividade e da autonomia da pessoa individual, como intrínseca à sua dignidade. Esta realidade, em si mesma positiva, se for absolutizada e reivindicada fora do seu justo contexto, se torna negativa. Isso pode se manifestar também no âmbito eclesial e na própria vida do sacerdote, no momento em que as atividades que realiza a favor da comunidade forem reduzidas a um fato puramente subjetivo.
Na realidade, o presbítero está, pela natureza do seu ministério, ao serviço de Cristo e da Igreja. Portanto, estará disponível a acolher quanto lhe é justamente indicado pelos Superiores e dum modo particular, se não estiver legitimamente impedido, deverá aceitar e cumprir fielmente o encargo que lhe foi confiado pelo seu Ordinário.
O Decreto Presbyterorum Ordinis descreve os fundamentos da obediência dos sacerdotes a partir da obra divina à qual estão chamados, mostrando depois o contexto desta obediência:
– o mistério da Igreja: «o ministério sacerdotal, porém, sendo ministério da própria Igreja, só em comunhão hierárquica com todo o corpo se pode desempenhar».
– a fraternidade cristã: «a caridade pastoral instiga os presbíteros , agindo nesta comunhão, entreguem a sua vontade por obediência ao serviço de Deus e dos seus irmãos, recebendo com espírito de fé e executando o que lhes é preceituado ou recomendado pelo Sumo Pontífice, pelo próprio Bispo e outros Superiores, entregando-se e “super-entregando-se”, de todo o coração, a qualquer cargo, ainda que humilde e pobre, que lhes seja confiado. Desta forma, conservam a necessária unidade e estreitam-na com os seus irmãos no ministério, sobretudo com aqueles que o Senhor pôs como chefes visíveis da sua Igreja, e trabalham para a edificação do corpo de Cristo, que cresce “por toda a espécie de junturas que o alimentam”».
Obediência hierárquica
57. O presbítero deve uma «especial obrigação de respeito e obediência» ao Sumo Pontífice e ao Ordinário próprio. Pelo fato de pertencer a um determinado presbitério, o presbítero está agregado ao serviço duma Igreja particular, cujo princípio e fundamento de unidade é o Bispo, que tem sobre ela todo o poder ordinário, próprio e imediato, necessário para o exercício do seu múnus pastoral. A subordinação hierárquica, requerida pelo sacramento da Ordem, encontra a sua atuação eclesiológico-estrutural na referência ao Bispo próprio e ao Romano Pontífice, o qual detém o primado (principatus) do poder ordinário sobre todas as Igrejas particulares.
A obrigação de adesão ao Magistério em matéria de fé e de moral está intrinsecamente ligada a todas as funções que o sacerdote deve desenvolver na Igreja. O procedimento contrário neste campo deve considerar-se grave, dado que produz o escândalo e a desorientação dos fiéis. O apelo à desobediência, especialmente ao Magistério definitivo da Igreja, não é uma via para a renovação da Igreja. A sua inesgotável vivacidade pode derivar apenas do seguimento do Mestre, obediente até a cruz, com cuja missão se colabora «com o transbordar da alegria da fé, a radicalidade da obediência, a dinâmica da esperança e a força do amor».
Ninguém mais do que o presbítero está consciente de que a Igreja tem necessidade de normas, as quais servem para proteger adequadamente os dons do Espírito Santo confiados à Igreja, porque, com efeito, uma vez que a sua estrutura hierárquica e orgânica é visível, o exercício das funções confiadas por Deus, especialmente a de guia e a da celebração dos sacramentos, deve ser adequadamente organizado.
Enquanto ministro de Cristo e da sua Igreja, o presbítero assume generosamente o empenho de observar fielmente todas e cada uma das normas, evitando aquelas formas de adesão parcial, segundo critérios subjetivos, que criam divisão e se repercutem, com notável dano pastoral, também sobre os fiéis leigos e sobre a opinião pública. Pois, «as leis canônicas, por sua mesma natureza, exigem a observância» e requerem «que quanto é mandado pela cabeça seja observado nos membros».
Obedecendo a autoridade constituída, o sacerdote, entre outras coisas, favorece a mútua caridade no interior do presbitério e a unidade, que tem o seu fundamento na verdade.
Autoridade exercida com caridade
58. Para que a observância da obediência se dê e para ela poder alimentar a comunhão eclesial, todos os que estão constituídos em autoridade – os Ordinários, os Superiores religiosos, os Diretores de Sociedades de vida apostólica –, para além de oferecer o necessário e constante exemplo pessoal, devem exercer com caridade o seu carisma institucional, quer prevendo, quer pedindo, nos modos e ocasiões convenientes, a adesão a todas as disposições no âmbito magisterial e disciplinar.
Tal adesão é fonte de liberdade, enquanto não impede, mas estimula a espontaneidade amadurecida do presbítero, que saberá assumir uma atitude pastoral serena e equilibrada, em relação ao que está estabelecido, criando a harmonia na qual o gênio pessoal se funde numa unidade superior.
Respeito às normas litúrgicas
59. Entre os vários aspectos do problema, mormente percebidos hoje, merece especial atenção o do convicto amor e respeito às normas litúrgicas.
A liturgia é o exercício do sacerdócio de Cristo, «o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte da qual provém toda a sua virtude». Ela constitui um âmbito em que o sacerdote deve ter particular consciência de ser ministro, isto é, servo, e de dever obedecer fielmente à Igreja. «Regular a sagrada liturgia compete unicamente à autoridade da Igreja, que reside na Sé Apostólica e no Bispo, segundo as normas do direito». Portanto, em tal matéria, ele não acrescentará, tirará ou mudará seja o que for por iniciativa própria.
Dum modo particular, isto vale para a celebração dos sacramentos, que são por excelência atos de Cristo e da Igreja, e que o sacerdote administra na pessoa de Cristo Cabeça e em nome da Igreja para o bem dos fiéis. Estes têm um verdadeiro direito de participar nas celebrações litúrgicas assim como as quer a Igreja e não segundo os gostos pessoais de cada ministro e nem sequer segundo os particularismos rituais não aprovados, expressões de grupos particulares que tendem a fechar-se à universalidade do Povo de Deus.
Unidade de planos pastorais
60. É necessário que os sacerdotes, no exercício do seu ministério, não só participem responsavelmente na definição aos planos pastorais que o Bispo – com a colaboração do Conselho Presbiteral – determina, mas também harmonizem com eles as realizações práticas na própria comunidade.
A sábia criatividade e o espírito de iniciativa, próprios da maturidade dos presbíteros, não só não serão anulados, como poderão ser adequadamente valorizados, com grande vantagem para a fecundidade pastoral. Seguir por caminhos separados neste campo pode significar não só rotura da comunhão necessária, mas também enfraquecimento da própria obra de evangelização.
Importância e obrigatoriedade do hábito eclesiástico
61. Numa sociedade secularizada e de tendência materialista, em que também os sinais externos das realidades sagradas e sobrenaturais tendem a desaparecer, sente-se particularmente a necessidade de que o presbítero – homem de Deus, dispensador dos seus mistérios – seja reconhecível pela comunidade, também pelo hábito que traz, como sinal inequívoco da sua dedicação e da sua identidade de detentor de um ministério público. O presbítero deve ser reconhecido antes de tudo pelo seu comportamento, mas também pelo vestir de maneira a ser imediatamente perceptível por cada fiel, melhor ainda por cada homem, a sua identidade e pertença a Deus e à Igreja.
O hábito talar é sinal exterior de uma realidade interior: «efetivamente, o presbítero já não pertence a si mesmo, mas, pelo selo sacramental por ele recebido (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1563 e 1582), é “propriedade” de Deus. Este seu “ser de Outro” deve tornar-se reconhecível por parte de todos, através de um testemunho límpido. No modo de pensar, falar, julgar os acontecimentos do mundo, servir e amar, e de se relacionar com as pessoas, também no hábito, o presbítero deve haurir força profética da sua pertença sacramental».
Por este motivo, o clérigo, bem como o diácono transitório, deve:
a) trazer o hábito talar ou «um hábito eclesiástico decoroso, segundo as normas emanadas pela Conferência Episcopal e segundo os legítimos costumes locais»; isto significa que tal hábito, quando não é o talar, deve ser diverso da maneira de vestir dos leigos e conforme a dignidade e sacralidade do ministério. O feitio e a cor devem ser estabelecidos pela Conferência dos Bispos.
b) Pela sua incoerência com o espírito de tal disciplina, as praxes contrárias não possuem a racionalidade necessária para que se possam tornar costumes legítimos e devem ser removidas pela autoridade eclesiástica competente.
Salvas situações excepcionais, o não uso do hábito eclesiástico por parte do clérigo pode manifestar uma consciência débil da sua identidade de pastor inteiramente dedicado ao serviço da Igreja.
Além disso, a veste talar – também pela forma, cor e dignidade – é especialmente oportuna, porque distingue claramente os sacerdotes dos leigos e dá a entender melhor o caráter sagrado do seu ministério, recordando ao próprio presbítero que, sempre e em qualquer momento, é sacerdote, ordenado para servir, para ensinar, para guiar e para santificar as almas, principalmente pela celebração dos sacramentos e pela pregação da Palavra de Deus. Vestir o hábito clerical serve, ademais, para a salvaguarda da pobreza e da castidade.
2.5. Pregação da Palavra
Fidelidade à Palavra
62. Cristo confiou aos Apóstolos e à Igreja a missão de pregar a Boa Nova a todos os homens.
Transmitir a fé é preparar um povo para o Senhor, revelar, anunciar e aprofundar a vocação cristã; isto é, a chamada que Deus dirige a cada homem manifestando-lhe o mistério da salvação e, contemporaneamente, o lugar que ele deve ocupar em relação a tal ministério, como filho de adoção no Filho. Este duplo aspecto é evidenciado sinteticamente no Símbolo da Fé, uma das expressões mais autorizadas daquela fé com que a Igreja sempre respondeu ao apelo de Deus.
Colocam-se, então, duas exigências ao ministério presbiteral. Há, em primeiro lugar, o caráter missionário da transmissão da fé. O ministério da palavra não pode ser abstrato ou distante da vida das pessoas; ao contrário, ele deve referir-se diretamente ao sentido da vida do homem, de cada homem, e, portanto, deverá entrar nas questões mais vivas que se colocam à consciência humana.
Por outro lado, há uma exigência de autenticidade e de conformidade com a fé da Igreja, guardiã da verdade acerca de Deus e do homem. Isto deve ser feito com sentido de extrema responsabilidade, consciente de que se trata de uma questão da máxima importância, enquanto está em jogo a vida do homem e o sentido da sua existência.
Em ordem a um frutuoso ministério da Palavra, tendo presente tal contexto, o presbítero deve dar o primado ao testemunho de vida, que faz descobrir a potência do amor de Deus e torna persuasiva a sua palavra. Além disso, não descuidará da pregação explícita do mistério de Cristo aos crentes, aos não cristãos e aos não crentes; da catequese, que é a exposição ordenada e orgânica da doutrina da Igreja; e da aplicação da verdade revelada à solução dos casos concretos.
A consciência da absoluta necessidade de «permanecer» fiéis e ancorados à Palavra de Deus e à Tradição para ser verdadeiramente discípulos de Cristo e conhecer a verdade (cf. Jo 8,31-32) acompanhou sempre a história da espiritualidade sacerdotal e foi sublinhada com autoridade também pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Por isso, é de grande utilidade «antiga prática da lectio divina, ou “leitura espiritual” da Sagrada Escritura. Ela consiste em permanecer prolongadamente sobre um texto bíblico, lendo-o e relendo-o, quase “ruminando-o”, como dizem os Padres, e espremendo, por assim dizer, todo o seu “sumo”, para que alimente como linfa a vida concreta».
Sobretudo, na sociedade contemporânea, marcada em muitos Países pelo materialismo teórico e prático, pelo subjetivismo e pelo relativismo cultural, é necessário que o Evangelho seja apresentado como «a potência de Deus para salvar aqueles que crêem» (Rm 1,16). Os presbíteros, recordando que «a fé depende da pregação e a pregação, por sua vez, se atua pela Palavra de Cristo» (Rm 10,17), empenharão todas as suas energias para corresponder a esta missão, que é primária no seu ministério. Com efeito, eles são não só as testemunhas, mas também os anunciadores e transmissores da fé.
Tal ministério – realizado na comunhão hierárquica – habilita-os a exprimir com autoridade a fé católica e a dar testemunho da fé em nome da Igreja. Com efeito, o Povo de Deus «é reunido antes de mais mediante a palavra de Deus vivo, que todos têm o direito de procurar nos lábios dos sacerdotes».
Para ser autêntica, a Palavra deve ser transmitida sem duplicidade e sem nenhuma falsificação, mas manifestando com franqueza a verdade diante de Deus (cf. 2Cor 4,2). O presbítero, com uma maturidade responsável, evitará disfarçar, reduzir, distorcer ou diluir o conteúdo da mensagem divina. Com efeito, a sua missão «não é de ensinar uma sabedoria própria, mas sim de ensinar a palavra de Deus e de convidar insistentemente a todos à conversão e à santidade». «Consequentemente, as suas palavras, as suas opções e atitudes devem ser cada vez mais uma transparência, um anúncio e um testemunho do Evangelho; “só ‘permanecendo’ na Palavra, é que o presbítero se tornará perfeito discípulo do Senhor, conhecerá a verdade e será realmente livre”».
Portanto, a pregação não se pode reduzir à comunicação de pensamentos próprios, à manifestação da experiência pessoal, a simples explicações de caráter psicológico, sociológico ou filantrópico; nem sequer ser excessivamente condescendente ao fascínio da retórica, muitas vezes tão habitual na comunicação às multidões. Trata-se de anunciar uma Palavra de que não é permitido dispor, dado que foi confiada à Igreja para defender, compreender e transmitir fielmente. Em todo caso, é necessário que o sacerdote prepare adequadamente a sua pregação, mediante a oração, o estudo sério e atualizado, e o esforço de aplicá-la concretamente às condições dos destinatários. De modo particular, como recordou Bento XVI, «considera-se que é oportuno oferecer prudentemente, a partir do Lecionário trienal, homilias temáticas aos fiéis que tratem, ao longo do ano litúrgico, os grandes temas da fé cristã, haurindo de quanto está autorizadamente proposto pelo Magistério nos quatro “pilares” do Catecismo da Igreja Católica e no recente Compêndio: a profissão da fé, a celebração do mistério cristão, a vida em Cristo, a oração cristã». Assim, as homilias, a catequese, etc., poderão servir de verdadeiro auxílio aos fiéis, para a melhora de sua vida de relação com Deus e com os outros.
Palavra e vida
63. A consciência da própria missão de anunciador do Evangelho, como instrumento de Cristo e do Espírito Santo, deverá pastoralmente concretizar-se de modo que o presbítero cada vez mais possa vivificar, à luz da Palavra de Deus, as diversas situações e os diversos ambientes nos quais ele desenvolve o seu ministério.
Para ser eficaz e credível, é importante que o presbítero – na perspectiva da fé e do seu ministério – conheça, com um sentido crítico construtivo, as ideologias, a linguagem, os laços culturais, as tipologias difundidas pelos meios de comunicação e que, em grande parte, condicionam as mentalidades.
Estimulado pelo Apóstolo, que exclamava: «ai de mim se não pregar o Evangelho!» (1Cor 9,16), saberá utilizar todos os meios de transmissão que as ciências e a tecnologia moderna lhe oferecem.
Certamente, nem tudo depende de tais meios ou das capacidades humanas, já que a graça divina pode conseguir o seu efeito independentemente da obra dos homens. Mas, no plano de Deus, a pregação da Palavra é, normalmente, o canal privilegiado para a transmissão da fé e para a missão evangelizadora.
Para tantos, que hoje estão fora ou longe do anúncio de Cristo, o presbítero sentirá como particularmente urgente e atual este questionamento dramático: «Como poderão acreditar sem ter ouvido falar? E como poderão ouvir falar sem alguém que lhes anuncie?» (Rm 10,14).
Para responder a tais questionamentos, ele deve sentir-se empenhado pessoalmente em cultivar a Sagrada Escritura com o estudo duma sã exegese, sobretudo patrística, e com a meditação, feita segundo os diversos métodos comprovados pela tradição da Igreja, de maneira a obter dela uma compreensão animada pelo amor. É particularmente importante ensinar a cultivar esta relação pessoal com a Palavra de Deus já nos anos de seminário, em que os aspirantes ao sacerdócio são chamados a estudar as Escrituras para se tornarem mais «conscientes do mistério da revelação divina e alimentar uma atitude de resposta orante ao Senhor que fala. Por sua vez, uma vida autêntica de oração não poderá deixar de fazer crescer, na alma do candidato, o desejo de conhecer cada vez mais a Deus que Se revelou na sua Palavra como amor infinito».
64. Por esse motivo, o presbítero tem o dever de reservar particular atenção à preparação, quer remota quer próxima, da homilia litúrgica, do seu conteúdo, fazendo referência aos textos litúrgicos, sobretudo ao Evangelho, ao equilíbrio entre parte de exposição e de aplicação, à pedagogia e à técnica de apresentar, até à boa dicção, que respeite a dignidade do ato e dos destinatários. Em particular, «devem-se evitar tanto homilias genéricas e abstratas que ocultam a simplicidade da Palavra de Deus, como inúteis divagações que ameaçam atrair a atenção mais para o pregador do que para o coração da mensagem evangélica. Deve resultar claramente aos fiéis que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada homilia».
Palavra e catequese
65. Hoje, quando em muitos ambientes se difunde um analfabetismo religioso, nos quais os elementos fundamentais da fé são sempre menos evidentes, a catequese se revela como parte fundamental da missão evangelizadora da Igreja, sendo instrumento privilegiado do ensino e da maturação da fé.
O presbítero, enquanto colaborador e por mandato do Bispo, tem a responsabilidade de animar, coordenar e dirigir a atividade catequética da comunidade que lhe está confiada. É importante que ele saiba integrar tal atividade num projeto orgânico de evangelização, garantindo, antes de tudo, a comunhão da catequese da própria comunidade com a pessoa do Bispo, com a Igreja particular e com a Igreja universal.
Dum modo particular, ele deverá saber suscitar a justa e oportuna responsabilidade e a colaboração em relação à catequese, quer dos membros dos Institutos de Vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica, quer dos fiéis leigos, adequadamente preparados, mostrando-lhes reconhecimento e estima pelo trabalho catequético.
Deve pôr especial cuidado na cura da formação inicial e permanente dos catequistas. Na medida do possível, o sacerdote deverá ser o catequista dos catequistas, formando com eles uma verdadeira comunidade de discípulos do Senhor, que sirva como ponto de referência para os catequizandos. Assim, lhes ensinará que o serviço ao ministério do ensino deve ser medido pela Palavra de Jesus Cristo e não por teorias e opiniões privadas: é «a fé da Igreja da qual somos servidores».
Mestre e educador da fé, o presbítero fará com que a catequese seja parte privilegiada da educação cristã na família, no ensino religioso, na formação dos movimentos apostólicos, etc., e que ela se dirija a todas as categorias de fiéis: crianças e jovens, adolescentes, adultos e idosos. Além disso, na transmissão do ensino catequético fará uso de todas as ajudas, subsídios didáticos e instrumentos de comunicação que possam ser eficazes, a fim de que os fiéis, de maneira adaptada à sua índole, capacidade, idade e às condições práticas de vida, sejam capazes de apreender com maior plenitude a doutrina cristã e de traduzi-la na prática da maneira mais conveniente.
Para tal fim, o presbítero terá como principal ponto de referência o Catecismo da Igreja Católica e o seu Compêndio. Estes textos, com efeito, constituem norma segura e autêntica do ensino da Igreja e, por isso, se deve encorajar a sua leitura e o seu estudo. Devem ser sempre o ponto de apoio seguro e insubstituível para o ensino dos «conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica». Como recordou o Santo Padre Bento XVI, no Catecismo, «sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé».
2.6. O sacramento da Eucaristia
O Mistério eucarístico
66. Se o serviço da Palavra é elemento fundamental do ministério presbiteral, o coração e o centro vital desse é, sem dúvida, constituído pela Eucaristia, que é, sobretudo, a presença real, no tempo, do único e eterno sacrifício de Cristo.
Memorial sacramental da morte e ressurreição de Cristo, representação real e eficaz do único Sacrifício redentor, fonte e cume da vida cristã e de toda a evangelização, a Eucaristia é princípio, meio e fim do ministério sacerdotal, uma vez que «todos os ministérios eclesiásticos e as obras de apostolado estão estritamente unidos à Eucaristia e a ela estão ordenados». Consagrado para perpetuar o Santo Sacrifício, o presbítero manifesta, assim, de maneira mais evidente, a sua identidade.
Existe, com efeito, uma conexão íntima entre a centralidade da Eucaristia, a caridade pastoral e a unidade de vida do presbítero, o qual encontra nela as indicações decisivas para o itinerário de santidade a que é especificamente chamado.
Se o presbítero empresta a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, a inteligência, a vontade, a voz e as mãos para, mediante o seu ministério, poder oferecer ao Pai o sacrifício sacramental da redenção, deverá fazer próprias as disposições do Mestre e viver, como Ele, sendo dom para os seus irmãos. Deverá, por isso, aprender a unir-se intimamente à oferta, colocando sobre o altar do sacrifício toda a sua vida como sinal manifestativo do amor gratuito e preveniente de Deus.
Celebrar bem a Eucaristia
67. O sacerdote é chamado a celebrar o Santo Sacrifício eucarístico, a meditar constantemente sobre o seu significado e a transformar a sua vida numa Eucaristia, o que se manifesta no amor ao sacrifício cotidiano, sobretudo no cumprimento dos próprios deveres de estado. O amor à cruz conduz o sacerdote a tornar-se uma oferta agradável ao Pai por meio de Cristo (cf. Rm 12,1). Amar a cruz, numa sociedade hedonista, é um escândalo, porém, desde uma perspectiva de fé, esta é fonte de vida interior. O sacerdote deve pregar o valor redentor da cruz com o seu estilo de vida.
É necessário chamar a atenção para o valor insubstituível que tem para o sacerdote a celebração cotidiana da Santa Missa – “fonte e ápice” da vida sacerdotal –, mesmo sem a presença de fiéis. A este respeito, ensina Bento XVI, juntamente com os padres do Sínodo, recomendo aos sacerdotes “a celebração diária da Santa Missa, mesmo quando não houver participação de fiéis”. Tal recomendação é ditada, antes de mais nada, pelo valor objetivamente infinito de cada celebração eucarística; e é motivada ainda pela sua singular eficácia espiritual, porque, se vivida com atenção e fé, a Santa Missa é formadora no sentido mais profundo do termo, enquanto promove a configuração a Cristo e reforça o sacerdote na sua vocação».
Ele deve vivê-la como o momento central do dia e do ministério cotidiano, fruto dum desejo sincero e ocasião de encontro profundo e eficaz com Cristo. Na Eucaristia, o sacerdote aprende a doar-se cada dia, não apenas nos momentos de grande dificuldade, mas também nas pequenas contrariedades diárias. Esta aprendizagem se reflete no amor com o qual se prepara para a celebração do Santo Sacrifício, para vivê-lo com piedade, sem pressa, cuidando das normas litúrgicas e das rubricas, a fim de que os fiéis assimilem, deste modo, uma verdadeira catequese.
Numa civilização cada vez mais sensível à comunicação mediante os sinais e as imagens, o sacerdote concederá adequada atenção a tudo o que possa exaltar o decoro e a sacralidade da celebração eucarística. É importante que, em tal celebração, se dê justo ressalto à qualidade e à limpeza do lugar, bem como à arquitetura do altar e do tabernáculo, à nobreza dos vasos sagrados, dos paramentos, do canto, da música, ao silêncio sagrado, o uso do incenso nas celebrações mais solenes, etc., repetindo aquele gesto amável de Maria para com o Senhor, quando «tomando uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos, e toda a casa encheu-se do perfume do bálsamo» (Jo 12,3). Todos estes são elementos que podem contribuir para uma melhor participação no Sacrifício eucarístico. Com efeito, a escassa atenção aos aspectos simbólicos da liturgia e, mais ainda, o desleixo e a pressa, a superficialidade e a desordem, esvaziam o seu significado, enfraquecendo a sua função de incremento da fé. Quem celebra mal manifesta a fraqueza da sua fé e não educa os outros na fé. Ao contrário, celebrar bem constitui uma primeira e importante catequese sobre o santo Sacrifício.
De modo especial, na celebração eucarística, as normas litúrgicas devem ser observadas com generosa fidelidade. Estas «constituem uma expressão concreta da autêntica eclesialidade da Eucaristia; tal é o seu sentido mais profundo. A liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios. Atualmente, também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas como reflexo e testemunho da Igreja, una e universal, que se torna presente em cada celebração da Eucaristia. O sacerdote que celebra fielmente a Missa segundo as normas litúrgicas, e a comunidade, que às mesmas adere, demonstram de modo silencioso, mas expressivo, o seu amor à Igreja».
Por isso, o sacerdote, embora coloque ao serviço da celebração todos os seus talentos para torná-la viva e participada pelos fiéis, deve ater-se ao rito estabelecido nos livros litúrgicos aprovados pela autoridade competente, sem acrescentar, tirar ou mudar nada.
Assim, a sua celebração se torna realmente uma celebração da Igreja e com a Igreja: não faz “algo seu”, mas está, com a Igreja, em colóquio com Deus. Isto favorece também uma adequada participação ativa dos fiéis na sagrada liturgia: «A ars celebrandi é a melhor condição para a actuosa participatio. Aquela resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade, pois é precisamente este modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, sacerdócio real, nação santa (cf. 1Pd 2,4-5.9)».
Os Ordinários, os Superiores religiosos, os Diretores das sociedades de vida apostólica e os outros Prelados, têm o dever grave, para além de dar o exemplo, de vigiar, a fim de que as normas litúrgicas concernentes à celebração da Eucaristia sejam fielmente observadas por todos os seus fiéis, sempre e em todos os lugares.
Os sacerdotes que celebram ou que concelebram são obrigados a usar as vestes sagradas prescritas pelas rubricas.
Adoração eucarística Continuar a ler »